sábado, 19 de março de 2011

Grandes personalidades

Como boa viciada em rotinas e rituais que sou, cá estou nesta sexta-feira que ameaça temporal (o calor está simplesmente insuportável!) diante do teclado, com um som relaxante ecoando no ar do quarto, as cadelas deitadas aos meus pés -uma com a cabeça embaixo da cama) um copo de chá frio e muita inspiração -apesar da cólica... Mas tudo bem, se meus ovários estão inventando algum tipo de motim, o resto da minha vida vai muito bem, obrigado. Na parte profissional as coisas estão correndo até melhor do que esperava!... Devo confessar que foi uma surpresa inesperada e extremamente agradável voltar às aulas este ano, sobretudo porque as minhas turmas estão lotadas e ainda tem gente querendo entrar, o que, é claro, significa aquele sorriso enorme e esses ohinhos brilhando na cara do meu chefe. Pelo visto, o sucesso do musical está dando excelentes lucros!... Mas o que aconteceu mesmo de surpreendente foi a felicidade que tomou conta de mim assim que entrei na sala de aula, o que me fez perceber o quanto sentia falta de ministrar e quão bem isto me faz, pois ano passado foi quase que inteiramente dedicado à concepção, montagem, ensaios e apresentações de "O coração do café", nosso querido musical, então passei praticamente o tempo inteiro enfronhada nesta missão e abandonei por completo as aulas. Mas agora descubro -passado o afobamento e a tensão da estréia e tranquilizada pelos excelentes resultados do nosso esforço- que o fato de interagir com alunos, de passar-lhes conhecimento, de vê-los trabalhar, usar a sua criatividade, desenvolver seus talentos, vencer as suas limitações e crescer como artistas e, principalmente, como seres humanos, não há sucesso no mundo que pague. Ensinar é algo único, especial, que tem seu momento e as suas conclusões,  e não podemos deixá-lo passar porque não voltará. Por isso estou tão contente e animada, pois as aulas significam renovação, interação, aprendizado, partilha, inspiração, e isto é indispensável para mim, para a minha realização pessoal. Então: viva a volta às aulas!...
E como sempre depois do meu desabafo particular, aqui vai a crônica desta semana:


    Lendo sobre grandes personalidades que deixaram um legado que transformou os homens e a sociedade onde vivem, penso que, às vezes, toda uma via acontece somente para que outros possam perceber e praticar a verdade de maneira a melhorar as suas existências e as daqueles que os rodeiam. Pena que nem sempre os idealizadores têm a chance de ver o resultado das suas empreitadas e até chegam a acreditar que fracassaram, porém, todas as mudanças a que temos assistido ao longo dos séculos demonstram que eles, na verdade, tiveram sucesso, uns mais, outros menos, mas as obras estão aí e são perpetuadas por aqueles que acreditaram e seguiram seu exemplo. No entanto, também acho que não somente as grandes águias têm o poder ou a oportunidade de promover câmbios positivos, mas também os pardais e sanhaços, pessoas comuns- até aquelas pelas quais não damos nada- o nosso vizinho, o médico do posto, a professora da escolinha rural, o dono de uma empresa ou de uma loja, o padre da nossa paróquia e, por que não? até nós mesmos!... Quem é que disse que pessoas sem nada especial, sem grande sabedoria, meios econômicos ou poder não podem fazer alguma diferença na história dos homens? Pois nem sempre a sua ação precisa abranger o mundo todo; a sua vizinhança é suficiente, seu ambiente de trabaçjo, a sua sala de aula, seu círculo de amigos e familiares, pois se formos contar todas estas pequenas iniciativas -quase que invisíveis a olho nu- descobriremos uma imensa e poderosa rede de ações comunitárias em movimento, que será capaz de transformar muita coisa, parte por parte, uma  de cada vez, com paciência e perseverança, assim como os grãos de areia do deserto mudam a sua paisagem ao serem transportados pelo vento. Nós somos os grãos de areia e o grande vento, que tudo pode e tudo transforma, é Deus.

sábado, 12 de março de 2011

Dias de anjo, dias de demônio

    E agora que o carnaval é somente uma lembrança exótica, barulhenta e colorida e que os terremotos e tsunamis deram uma momentánea sossegada, acho que as coisas por aqui vão começar a funcionar de verdade, de uma vez por todas. Ainda pasma com o fato de um carnaval parar um um país e feliz porque finalmente as aulas na fundação vão começar, aproveito meu último final de semana livre -à partir de semana que vem voltarei às aulas de domingo- para refletir, papear com a minha irmã no Chile, curtir uns filmes com a minha filha e botar mais um pouco dos meus escritos em dia (apesar de que no novo horário de trabalho vão me sobrar bastantes horas para continuar a me dedicar a isto). Passamos os três dias após o  feriado de quarta-feira correndo atrás dos últimos preparativos para recepcionar os alunos e já estamos todos à postos para começar nosso trabalho, mesmo faltando alguns professores ainda... Imaginem que "euzinha" botei até um cartaz de boas-vindas na porta da sala -que não fui eu que fiz, porque sou péssima para essas frescuras- e vou botar balas e pirulitos em duas bacias enfeitadas para alegria dos alunos!... Eu não sou dessas coisas! Nunca me lembro de comemorar com os alunos o dia das mães, o dia do índio, o dia das crianças e por aí vai. Nunca envio cartões, dou festinhas, faço brincadeiras ou entrego presentinhos para eles -talvez porque sempre trabalho com adultos que não se ligam nessas coisas-  não decoro a sala com a parafernália temática da data em questão nem organizo rifas ou competições com prêmios de acordo com a comemoração...Decididamente, sou uma nulidade em datas festivas. Na fundação parece que todos têm o dom de inventar este tipo de coisa, menos eu. Para mim, o que interessa são as aulas... Mas como tem que entrar no clima e agora tenho alunos mais novos, vou ter que fazer um esforço... Tudo bem, ser festiva não vai me matar!...

    Para amadurecer é vital que aprendamos a ser compassivos e compreensivos, que desenvolvamos a virtude da paciência e que criemos coragem e conheçamos as nossas próprias fraquezas antes de julgar e condenar as dos outros. A feiúra, a maldade, a covardia, o comodismo, a inveja, a insegurança, a ambição, a vaidade... Todas estas coisas formam parte da nossa humanidade e precisamos primeiro reconhecê-las e aceitá-las em nós mesmos, aprender a lidar com elas se não conseguimos derrotá-las, a controlá-las e transformá-las em material para lições positivas, para assim poder usar de compreensão, sabedoria e compreensão com os demais quando eles estiverem sendo vítimas dos seus próprios erros. Só tendo esta consciência e passando nós mesmos pela experiência é que estaremos realmente completos, pois o todo que somos está formado pelo bem e pelo mal, pela luz e pelas trevas, isto é um fato que não podemos negar, já que é inerente à nossa condição humana e falível. Os defeitos, na verdade, precisam ser utilizados como experiências que em determinados momentos se transformam em grande lições, e não em punições, com estamos acostumados a acreditar... Para entender e perdoar os outros primeiro precisamos entender e perdoar a nós mesmos e compreender que, se somos feitos de contradições não é por um mero capricho, mas porque sempre um dos opostos dá sentido ao outro, lhe dá propósito, pois se não conhecermos a feiúra, como saberemos o que é a beleza? Se não vivenciarmos o egoísmo e a madade, como saberemos distinguir o altruísmo e a bondade? Se não enfrentarmos as nossas trevas, como poderemos reconhecer a luz que pode nos salvar?... As sementes de todas as fraquezas e de todas as virtudes já estão dentro de nós, então nos resta escolher quais semear, quais cultivar e quais arrancar, porém, antes de mais nada, temos que aprender a reconhecê-las
    O ser humano é um emaranhado -por vezes bastante confuso- de opções, positivas e negativas, e tem a oportunidade de fazer as suas escolhas, que levará à cabo através das suas ações, que podem tanto construir quanto destruir a si mesmo ou a outros. Porém, apesar do que possa parecer, todas as escolhas são, de uma forma ou de outra, úteis. Todos temos dias de anjo e dias de demônio, mas isto não deve amedrontar-nos ou desanimar-nos, mas fortalecernos e tornar-nos verdadeiros e incansáveis lutadores. É imprescindível conhecer e travar intimidade com a vastidão do ser humano para lidar com ele com justiça e não julgá-lo, porque nós somos esse ser humano também.

terça-feira, 8 de março de 2011

Miragens, desculpas e mitos

Com este negócio do carnaval -que, como extrangeira que se preza, não consigo entender ainda. Como é que uma festa de desfiles de escolas de samba consegue parar um país por quatro dias e meio?- e com a apresentação do musical no fim de semana, para variar, a postagem das crônicas andou ficando de lado. Mas como esta festança toda nos dá dois dias e meio de folga -descontando sábado e domingo, em que eu trabalhei- aproveito esta terça-feira para postar a crônica da semana. Me resta apenas mais um final de semana livre, porque as aulas na fundação começam dia 14, o que significa qua meus domingos de descanso vão acabar. Mas não estou chateada porque adoro dar aula, montar peças e ensaiar. Estou de saco cheio, isso sim, é de ficar na minha sala sem fazer nada, só cumprindo horário e fazendo algumas matrículas que, por sinal, este ano estão bem fracas, acredito que devido aos boatos idiotas de que com a dispensa dos professores no fim do ano passado, a fundação iria fechar, não iria mais oferecer aulas de nada e por aí vai... Por favor, né?... O pior é que teve muita gente que acreditou e não apareceu para matricular-se, inclusive quem já fazia alguma aula aqui. Mas confio em que, quando as atividades começarem e as pessoas virem que a coisa está funcionando como sempre -mesmo que um pouco mais tarde por conta dos testes seletivos para a contratação de novos professores- voltem e se inscrevam nos cursos. Este ano quero ter muitos alunos novos, descobrir talentos, montar peças boas e talvez, quem sabe, mudar a vida de alguns... Só espero ter alguém eficiente para me ajudar com essas questões burocráticas e logísticas com as quais lido tão penosamente!... O resto, pode deixar, que dou conta!


    Queria mesmo que chovesse, pois o calor está insuportável, mas não estas gotas tímidas que apenas refrescam o ar para depois torná-lo mais abafado e úmido ao evaporar sob os raios inclementes do sol. Queria era que a água despencasse aos torrentes e lavasse as calçadas e os muros, os telhados, as árvores, as ruas e plantações, os pecados e as angústias do mundo... Sentada aqui na garagem, balançando bem de leve na rede, olho para a garoa que desaparece nas lajotas ferventes e me pergunto até quando uma planta cresce sem ser regada, até onde podemos nos sustentar sem a benção do amor, se a sua presença pode mesmo nos reerguer e botar de volta no caminho; me pergunto até onde podemos lutar sozinhos... Porém, o rumor quase imperceptível desta chuva tão tímida me lembra de alguma forma a presença constante de Deus que, mesmo sem ser notada, age e nos vigia amorosamente, nos conforta, nos ilumina e nos sustenta. Por isso nunca estamos verdadeiramente sós, apesar de termos com tanta freqüência esta terrível sensação diante de alguns desafios e provações. Até onde ir? Como agir? Qual é a escolha, o momento certo? O que acontecerá depois? Quanto de nós podemos expor sem nos machucar ou magoar os outros? Existem realmente riscos ou é tudo uma ilusão pintada pela nossa falta de fé? São só miragens, desculpas e mitos o que nos detém na nossa caminhada? Nada nos impediria se realmente acreditássemos? Ou nos faltaria o bom  senso e acabaríamos errando por excesso de confiança e vaidade? Acho que acreditar não quer dizer ser pretensioso ou fora da realidade. Tem que se crer, mas com os pés no chão para mais tarde não culpar outros pelos nossos fracassos (que teriam sido tão facilmente detectados se tivéssemos tido um pouquinho de juízo!) Deus sempre enxerga e sussurra em nossos ouvidos quando o perigo está à nossa frente, é um fato que não podemos negar, mas nós tendemos a achar que retroceder ou mudar de idéia, desistir ou tomar outro rumo são sintomas de fraqueza, de covardia, de imaturidade, de falta de ambição e garra... Mas, não seria justamente o oposto, um sinal de maturidade e lealdade para com nós mesmos?.
    Escuto os trovões, diviso as explosões de luz entre as nuvens carregadas... A tempestade, finalmente, se aproxima... Acho que vai mesmo diluviar e é melhor eu entrar e assistir o espetáculo desde a janela da sala... Sempre digo que a chuva é como beijos de Deus sobre esta terra ressequida em que o coração dos homens está se transformando, mas vendo o tamanho do aguaceiro que se avizinha, acho que é mais um abraço de urso...