domingo, 25 de dezembro de 2011

"Velhice"

    Passei estas últimas duas semanas resolvendo alguns assuntos inadiáveis e por isso deixei de cumprir meu ritual literário com vocês, mas agora que as coisas estão começando a se mover com maior facilidade, rapidez e serenidade, e como estou prestes a sair de férias dia 02, vou voltar a ter tempo para escrever e botar as minhas coisas em dia. Na verdade, só estou indo na fundação para cumprir horário, porque todas as apresentações de natal já acabaram, mas como eu não queria pegar férias em dezembro (na verdade, é banco de horas, porque as minhas férias verdadeiras seriam em abril)  para ter que retornar em meiados de janeiro para cozinhar e não fazer nada, já que todas as atividades estão em recesso até março, preferi esperar até depois das festas. Felizmente, descobri que tenho quatro semanas e meia de banco, então as férias vão se prolongar bem mais do que esperava... Ah, que glória! Como vai ser bom ficar longe da fundação e seu estresse, das aulas, reuniões, ensaios, apresentações e chefes problemáticos! Sinceramente, já estava totalmente exaurida (não bastasse o estresse do divórcio) com tanto trabalho e tanta pressão e desgostos. Se mexer com cultura não é fácil, imaginem então tentar trabalhar num ambiente no qual, ao invés de todos se unirem com um mesmo objetivo, cada um puxa só pro seu lado e está pouco se lixando para a arte em si. Infelizmente, as coisas por aqui estão mais para intenções políticas do que para objetivos culturais, e  agora que teremos ano de eleições, não quero nem imaginar o que vai virar!... E é por isso mesmo -e por outras cositas más que revelarei depois- que estou saindo da fundação em abril do ano que vem. Depois de 25 anos trabalhando aqui -e adorando- cheguei à conclusão de que, infelizmente, meus propósito e métodos nada mais têm a ver com os da fundação, então achei por melhor sair em busca de outro lugar ou outro trabalho no qual me sinta à vontade, seja valorizada, respeitada e tenha liberdade para desenvolver  as minhas dinâmicas e métodos, criar e crescer, coisa indispensável para alguém feito eu.
    Viram que final de ano radical? Divórcio e mudança de emprego de uma vez só! E talvez mais algumas surpresinhas... Êta revolução! E olha que eu não  gosto de mudanças e surpresas!... Mas estas decisões eram inadiáveis, necessárias para a minha felicidade e realização. Tenho certeza de que, passados os primeiros momentos de dificuldade e dúvidas, de desafio e readaptação às novidades, me aguarda uma vida feliz e plena, cheia de novos projetos e realizações, de paz e equilíbrio. O que mais se pode pedir para o novo ano que se avizinha?. Tudo vai valer a pena, acreditem. Pois só se ganha algo quando se aceita perder algo em troca.
    E após todo este terço de explicações, aqui vai a crônica desta semana. Espero que gostem!.


    Acontece algumas vezes, se fechar os olhos ou ficar um longo tempo diante do espelho, de conseguir me ver velha, cabelos brancos e pele sulcada de rugas e marcas, corpo curvado, mãos enrugadas e cheias de sardas... Porém, isto não chega a me assustar, pois o que enxergo além do exterior decrêpito, é uma velha sábia e sorridente, com a certeza de que os anos e as experiências que vivi e as decisões que tomei me tornaram alguém melhor, útil, serena, satisfeita, que construiu algo para legar aos que virão depois... No entanto, isto é algo que pode não ser definitivo, muitas coisas podem acontecer para mudar o resultado, mas mesmo assim acho que, no fim, somos nós mesmos quem temos o poder de escolher e construir a imagem da nossa  velhice. Mas, então, vem aquela pergunta: em que momento acontece esta escolha? Existe um marco, um acontecimento, um encontro, alguma revelação íntima que marca este instante? É isso que ficamos aguardando, parados, enquanto vemos o tempo ir embora com a velocidade da luz? Há mesmo um sinal que nos diz que a hora chegou? Ou esta escolha é feita, na verdade, no dia-a-dia, em cada gesto, com cada pensamento, através das nossas palavras e ações mais simples e corriqueiras? É desta feita que construimos a imagem da nossa velhice?... A imagem do futuro, na verdade, não existe. Nós a estamos modelando hoje, agora, mas somos capazes de presenti-la, de esboçá-la à medida que caminhamos... Então, por que deixamos tantos espaços vazios? Por que não nos envolvemos, por que ignoramos as conseqüências? Pois cada segundo tem uma conseqüência que talvez não sejamos capazes de dimensionar agora (mas que sabemos que acontecerá) e é por isso mesmo que precisamos ser cuidadosos e semear boas sementes, em terra fértil e irrigada, precisamos adubá-las e, no fim, partilhar seus frutos.
    Fico sentada aqui na rede, balançando vagarosamente enquanto contemplo a rua, as árvores, os pássaros nos fios elétricos, as nuvens que se juntam para uma chuva, e penso: devemos fazer algum sentido na história, foi para isso que viemos, devemos ser uma das peças deste quebra-cabeça fantástico que é a vida. Acredito que, no fundo, todos sabemos quem somos, então, por que às vezes nos resulta tão difícil agir de forma coerente com este conhecimento?... O tempo corre, não volta; as coisas acontecem, as pessoas vão e vêm, nada detérm o que não é dominado pelo homem: chove, venta, sai o sol, chega o outono, as borboletas morrem, os homens envelhecem. Isto acontece, pois os ciclos são sagrados e inabaláveis e têm seu propósito: tudo precisa se renovar... Então, por que ficarmos sentados aqui, perdendo o tempo, se há tanto para se fazer? É o nosso próprio futuro que estamos construindo! Qual o motivo deste deserto de tédio e auto-compaixão, de inconsciência e superficialidade em que estamos aprisionados? Não são os outros que têm a chave da nossa gaiola! Depende de nós abrir as portas e voar atrás dos nossos sonhos, porque nenhum deles nasceu em nossa alma para passar em branco. Nâo fiquemos velhos para lamentar não tê-los realizado, mas para sentar no fim da tarde na varanda e contemplá-los com um sorriso nos lábios.  É assim que a velhice faz sentido e a morte se torna menos assustadora.

domingo, 11 de dezembro de 2011

"Trânsito"

E após duas semanas de silêcio e suspense, posso, finalmente, afirmar que tudo começa a se resolver, a desemaranhar e correr feito um rio sem pedras (ou pelo menos com pedras bem menores!)... Quem apostou em divórcio, acertou e, graças à Deus tudo correu bem, harmoniosamente, apesar do início ter sido cheio de maus pressentimentos, desconfianças e mágoas. Mas acho que somos dois adultos e capazes de perceber -e admitir- quando as coisas não estão mais funcionando. Eu não quero o mal de ninguém, mas também desejo a minha própria felicidade, porque a cada dia que passa tenho menos tempo para persegui-la e vivê-la, então, não quero perder nenhuma oportunidade. Espero que, assim como eu tenho planos e otimismo, força  e coragem para ir atrás desta felicidade, meu esposo também consiga sair adiante e encontre seu próprio meio de ser feliz. Só sei que comigo não é... Até meus filhos concordaram que foi a decisão certa a tomar!... Ainda bem, porque estava bastante preocupada com eles, mesmo já sendo ambos adultos e tendo as suas próprias vidas. Vocês sabem, filho é eternamente um bebê indefeso para os pais, né?... Ainda restam as outras etapas desta nova jornada, mas acredito qu elas correrão sem grandes dificuldades e que tudo sairá como planejei. O primeiro -e mais importante - passo já foi dado, e não tem volta. Agora, é erguer a cabeça, respirar fundo e continuar a caminhada enfrentando os empecilhos, as dúvidas e a aventura que significa recomeçar a vida aos 55...
    E como tudo está bem mais tranquilo e definido, e estou a uma semana de sair de férias, posso voltar à minha rotina com os blogs e a crônica. Estou bastante desanimada com o jornal, porque já faz quatro meses que não publicam nada meu, então acho que pode ser uma indireta para eu dar um tempo e parar de afogá-los com meus textos semanais... Bom, ultimamente, tudo que acontece na minha vida está cheio de mensagens e sinais impossíveis de ignorar, que são feito luzes que me guiam nesta transição...
    Então, voltando à doce rotina, aqui vai a desta semana! E vai dedicada especialmete à Sol, a minha irmã de alma, da qual nunca me esqueço apesar do silêncio e da distância. Obrigada pela força, irmã, porque aqui ou em qualquer tempo e lugar, continuaremos sendo uma só!

    Definitivamente, os seres humanos somos criaturas em trânsito, sempre envolvidos em processos, em constante movimento físico e mental, querendo alcançar algo, ir mais adiante, chegar lá. Mas eu acho que, apesar deste anseio de ganhar estabilidade e identidade definitivas, no intuito de sentirnos seguros, o que realmente é importante não é de onde viemos ou para onde vamos, pois estas são somente referências, pontos fixos de partida ou chegada, espaços e tempos mortos porque demasiado definidos e estáticos. O que é realmente importante, interessante, o que nos faz mesmo crescer e aprender, é o processo, o percorrido entre estes dois "pontos mortos": o trânsito. E cabe a nós perceber e aproveitar esta caminhada, que pode nos trazer informações, descobertas e encontros que podem mudar nosso destino. Quando se parte, há uma expectativa, uma incerteza, pois tudo está para ser feito à partir da imobilidade, da intenção. Quando se chega, isto não existe mais, a busca termina, o ciclo se completa, e precisamos marcar novos objetivos e partir para mais um processo. Desfrutamos durante um tempo da vitória alcançada, mas logo sentimos a necessidade de tornar ao movimento, à busca, à realização.
    O bailarino marca o passo da sua coreografía: primeiro está no chão, depois está de pé, pronto para a pirueta; então a executa e volta à imobilidade que a iniciou. O tempo e ação entre estes dois momentos pré-determinados, já visualizados enquanto impulso, equilíbrio, tempo e espaço (o planejamento imprescindível) normalmente é passado por alto. Fica então este vazio, esta ausência de consciência, este buraco inexpressivo, sem nenhuma importância aparente. No entanto, este lapso, este trânsito que envolve o processo de execução e que nos pertence por completo, no qual ainda não decidimos e do qual mal temos consciência, focados somente no resultado final, é o que realmente tornará este final um sucesso ou um fracasso. Só temos a percepção do ponto de origem à medida que nos distanciamos dele e do ponto de chegada enquanto nos aproximamos dele, porém, durante o trânsito somos capazes de avaliar o nosso potencial, as nossas possibilidades, as conseqüências das nossas ações, a nossa capacidade de assimilar e aprender o que o processo tem a nos ensinar, de avançar, de encontrar caminhos e respostas, pois não estamos estáticos, mas em movimento simultâneo com a criação. Este é o tempo das perguntas, das transformações, das percepções, do aprendizado real, porque estamos cem por cento vivos e atentos.
    O segredo do conhecimento e do aperfeiçoamento se esconde no trânsito e na percepção e aproveitamento que conseguimos tirar dele. É o despertar de uma nova consciência, de um  minimalismo que pode abrir portas inesperadas e reveladoras, talvez devido ao fato de experimentar o  tempo real dos acontecimentos, de assumir e vivenciar as dúvidas e as mudanças com serenidade e liberdade. Talvez até de aproximar-se da morte inevitável que nos aguarda no fim de cada ciclo e nos abraça toda vez que atingimos o objetivo. Entender e aceitar estas mortes porque enxergamos a posterior ressurreição e recomeço nos torna ousados, nos leva a vivenciar experiências radicais e profundas, absolutamente verdadeiras e únicas. É  então que nos damos conta de que nosso ponto de partida é sempre uma ressurreição, pois viemos de uma morte anterior. Quando partimos não sabemos nada, estamos cheios de incertezas e receios. Quando chegamos, não precisamos perguntar mais nada, pois o que precisava ser respondido e comprendido já aconteceu.
    Acho que, de uma certa forma, as definições podem nos paralisar se permitirmos que se acomodem dentro de nós e nos impeçam de continuar a caminhar, a crescer. Enquanto estamos em trânsito permanecemos em constante movimento, buscando, passando por etapas sucessivas de descobertas e conclusões. Tentamos todas as possibilidades e chegamos à resposta espantosa de que nada é, na verdade, definitivo, nada está aparado. Vida e morte não são início e final, mas segmentos ininterruptos de uma energia infinita e perfeita. Nós estamos no meio de "algo", do "todo", do "nada", do trânsito da própria criação... Estupor, tristeza, revelação, beatitude, resignação, conseciência do pasageito, do efêmero, de alguma maneira imaterial: com esta carga de sentimentos com respeito à nossa existência e nosso aprendizado, nos reposicionamos na história. Com certeza, somos o paradoxo por excelência, a ambivalência perfeita, porque o trânsito assim o permite, dando-nos a chance de escolher... Longe, perto. Homem, mulher. Santo, demônio. Corpo, espírito...

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

"Plantas e bichos"

Sei que podem acabar me odiando porque parece que estou fazendo cú doce com esse negócio daquele assunto que não se resolve nunca, mas acreditem, eu estou tão paranóica e frustrada com a demora quanto vocês. Não queria ter que sair dando ultimatos por aí, mas ao que tudo indica, vou ter que acabar fazendo isto, o que pode significar um atraso ainda maior dos meus projetos... É bem como dizem:Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come!... Por que as pessoas gostam tanto de complicar as coisas ao invés de aceitar a realidade e agir conforme ela? Eu estou fazendo tudo da minha parte para que tudo se resolva pacífica e rápidamente, estou tentando continuar com a minha vida apesar desta horrível sensação de estagnação, de limbo, de expectativa quase insuportável. Estou lutando contra o desânimo, a raiva, a mágoa e o estresse, porque sei que são sentimentos que nos deixam doentes, mas tem hora em que é quase impossível. Não estou conseguindo trabalhar, criar, produzir, me interessar por nada além da atitude de "alguém" que estou precisando para que tudo volte a se movimentar, para que eu possa tocar meus planos e a minha vida... Ainda bem que estamos quase saindo de férias na fundação, então não há muito para se fazer, a não ser preparar as apresentações do natal, o que não é muito complicado porque estes alunos têm bastante experiência, então a gente não precisa ficar em cima deles. Se tivesse mais responsabilidades acho que não conseguiria dar conta delas, para vocês verem como as coisas estão ruins. Mas, como não posso fazer outra coisa a não ser esperar e ser paciente  e continuar com a minha vida para não pirar ou sair xingando ou batendo em "alguém", mantenho as minhas rotinas saudáveis. Pelo menos servem para fazer de conta que está tudo bem. Em dezembro vou ter mais tempo ainda, porque vou voltar a trabalhar só de  (acabaram-se as horas extra!) então vou retomar as caminhadas todos os días, o que sempre foi fonte de prazer, meditação positiva e relaxamento. Espero que isso ajude a me sentir melhor!... Mas a solução seria, mesmo, "alguém" tomar uma atitude de uma vez por todas.
    E vamos à crônica de hoje!

    Plantas e bichos são, definitivamente, uma ótima terapia para qualquer neurose, depressão, angústia ou medo, pois ao nos ocupar -e preocupar- com estes outros regando, podando, alimentando, dando banho, conversando, cavando ou brincando, somos obrigados a salir de nós mesmos e do nosso mundo pequeno e opressivo e a nos envover e encantar com o que vive fora de nós, com esta criação milagrosa e cheia de detalhes reveladores, nos responsabilizamos por algo além das nossas aflições e necessidades e, de uma forma ou de outra, aprendemos a relevar, a encontrar saídas e respostas ao interagir com algo que não interfere, não cobra, não julga nem condena o nosso comportamento, não põe prazos nem deseja nada além de carinho e cuidados básicos... O jardim é meu, eu o criei, escolhi cada planta, cada árvore, desenhei canteiros e dispus o lugar de flores, arbustos e pedras, escolhi o tipo de grama, as lajotas e trepadeiras, portanto tenho uma ligação com ele e sei que se não cuidar dele, acabará amarelando e secando, mas mesmo assim, nenhuma palavra ou gesto de recriminação sairá dele. Me sinto livre e leve toda vez que trabalho na terra, que podo os arbustos ou águo os vasos e canteiros, quando espalho migalhas em cima do muro ou troco a água do bebedouro dos passarinhos, pois não há pressa, não há exigências,não há regras; este jardim é uma interminável sucessão de pequenas maravilhas e milagres que fazem bem à minha alma, me dão alegria e ânimo, me lembram que a vida é superior a qualquer problema, a qualquer perda ou fracasso e que sempre devemos continuar, virar a página, porque as estações vão e vêm, os ciclos se cumprem, se nasce e se morre, e nenhum pingo da toda a minha preocupação pode mudar isso.
    Já com os animais -minhas duas cadelas e os passarinhos que vêm comer pão- a companhia, a fidelidade, o amor  incondicional, a lealdade e a capacidade de viver cada momento plenamente que eles demonstram são um exemplo para nós, que vivemos planejando e sofrendo por futuros que não existem, correndo, fofocando, traindo, nos magoando, pisando e desprezando os outros, valorizando-os pelas suas poses e pelo que podem fazer em nosso favor ao invés de aproximar-nos deles pelo que são, pelo que podemos aprender e partilhar com eles. O cachorro se conforma alegremente com um pedaço de pão seco, se for só isso que o dono tem, e com uns afagos na cabeça e na barriga, com algumas palavras ou simplesmente um olhar carinhoso; nunca ficará bravo porque não somos perfeitos nem fará cenas de ciúme, não exigirá comportamentos, padrões, atenção absoluta, nunca mentirá nem trairá a nossa confiança. Então, quem melhor para nos sentirmos à vontade e fazer confissões que a ninguém mais faríamos?...
   Definitivamente, plantas e bichos curam, enriquecem, nos tornam seres humanos melhores.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

"Regar"

    Bom, se eu achava que as coisas iriam estar resolvidas esta semana, devo admitir que estava enganada, o que, infelizmente, vai significar mais um pouco de tempo de espera, de estresse e de orações... Sim, porque a esta altura do campeonato, só me resta colocar este assunto nas mãos de Deus que, como devem supor, nunca me decepcionou. Eu não quero ter que partir para a ignorância, mas acho que é completamente inútil, um desperdício de energia e criatividade, o fato de prolongar uma situação que não tem mais volta. Por que não aceitar e seguir em frente ao invés de querer segurar os acontecimentos naturais? Por que não deixar fluir e virar a página ao invés de fazer birra e prolongar a ansiedade, a dor, o desgosto?... Essa é uma coisa que não consigo entender, mas acho que aqui se aplica aquele ditado: "A esperança é a última que morre", e acredito que eu já fiz o mesmo várias vezes ao longo da minha vda. Suponho que o fator surpresa e a firmeza na decisão é o que mais está pesando nesta demora toda, mas nada vai mudar pelo fato de ser obrigada a esperar mais um pouco...
    E vocês não devem fazer a mínima idéia do que estou falando, não é mesmo? Ou então, já deve ter alguns que sacaram a história e estão torcendo pelo sucesso da minha empreitada. Tomara, porque estou precisando de toda a vibração positiva que puder conseguir!... Talvez semana que vem a coisa clareie e finalmente possa revelar este mistério. Porém, enquanto continue a existir a negação da realidade, a mágoa, o medo e a falsa esperança, acredito que as coisas vão permanecer emperradas.Por isso, peço a luz, a misericórdia e a serenidade de Deus para que tudo acabe bem para todos, e o mais breve possível.
   E depois de tanto mistério e enigmas, aqui vai, finalmente, a crônica da semana! Graças à Deus estou tendo um pouco mais de tempo e calma, pois as aulas na fundação terminam a semana que vem e só restarão os ensaios e apresentações  da programação de natal, mais alguns eventos nos quais seremos obrigados a participar, mas só como espectadores. Meu horário vai mudar novamente e voltarei a ter as manhãs livres -menos segunda porque tem reunião administrativa- mas regressarei tarde à noite por conta das apresentações... E lá se foram meus horários civilizados de janta e remédios!... Bom, mas serão só 18 dias de sacrifício, depois entrarei em férias e a minha rotina de diabética voltará a vigorar... E espero que muita outra coisa positiva aconteça também...

    Não sei por quê, mas para mim existe algo de redenção, de catarse, de benção, algo como um batismo e uma libertação no simples ato de regar as plantas. Ver o jato de água cruzar o ar e despencar sobre a grama e as flores, sobre a terra seca, naquela mistura de violência e afago tão necessária para manter a vida, me dá a sensação de alívio, de milagre. É como uma pequena revelação sobre a ressurreição, sobre a onipresença divina em nossas vidas -que nos hidrata a cada passo- é perceber que em tudo que fazemos, por mais banal que pareça, existe uma mensagem, um detalhe precioso a ser observado e assimilado e acrescentado às nossas próprias vidas. Tudo que nos rodeia é para ser percebido, meditado, aproveitado, inserido em nosso dia-a-dia, porque tudo é valioso... Ao ver as gotas caírem sobre as folhas e pétalas, sobre o tapete verde e escurecendo a terra sedenta, que parece aguardar ansiosa e grata por este instante, tenho a impressão nítida de estar aguando meu próprio coração, limpando-o e renovando-o, dando-lhe novas forças e inspiração, fazendo crescer as suas raízes em direção ao amor...
    Sustentar a existência com este simples gesto, ajudar a gerar vida e mais tarde ver os brotos surgindo, primeiro tímidos e pálidos, e logo fortes e viçosos, coloridos e perfumados, a enfeitar a planta ou a árvore, a praça, o jardim, o canteiro, nos dá aquela sensação de vitória, de beleza, de perfeição, de um verdadeiro milagre do qual somos partícipes diretos... A água é mesmo miraculosa, pois promove transformações vitais, profundas, às vezes inesperadas, porque alcança as raízes e é capaz de revivê-las. É a força renovadora e purificadora por excelência, quando não chega demasiado tarde...

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Medo ou amor

    Eu sei que tenho andado meio sumida nestes últimos dias, mas é que as coisas andam meio complicadas por acá, então está um pouco difícil arranjar tempo e deixar a inspiração fluir, mas como hoje é o aniversário de Ibiporã e tenho algumas horas livres antes do famigerado desfile de todo ano (que desta vez será, não de manhã cedo, mas à noite, às 19:00h... Não me perguntem de quem foi a idéia, mas como o desfile é um porre de qualquer jeito, a hora não fará diferença) acho que vou dar conta de postar as crônicas do blog e do jornal e até vai dar tempo de dar uma cochilada depois do almoço porque ontem à noite, entre meu vizinho que bota o despertador às 3 da manhã (acho que levanta cedo para ir para a chácara) e algum gato infeliz que ficou zanzando na árvore do meu quintal e deixou as cadelinhas malucas correndo e latindo, acordei completamente destruida, então, se pretendo não ter um faniquito bem no meio do desfile, vou dar uma boa dormida para ver se melhoro... É engraçado como esse tipo de coisa, mais umas outras que não se definem de uma vez para me dar sossego, podem afetar o desempenho de qualquer atividade. Eu, sem dormir, sou um Titanic que afunda lentamente ao longo do dia e não tem reza que funcione para impedir esta catástrofe!... Acho que é a idade chegando, né? Velhos parece que estão sempre procurando um cantinho para tirar uma soneca... Também pode ser o cansaço de fim de ano, ou o estresse com toda aquela outra situação que não se define de uma vez (calma, que já vão ficar sabendo!) mas ultimamente ando caindo sozinha de tanto sono e falta de energia...
Então, antes de sucumbir mais uma vez à areia nos olhos, vou postar a crônica desta semana.


    Nossos disfarces são inúmeros, um para cada ocasião, simples ou elaborados, permanentes ou esporádicos, mas sempre à mão, feito um coringa escondido na manga... Por que os usamos? Para nos defender, para esconder fraquezas, humilhações, fracassos, para criar ilusões de sucesso e poder, para seduzir, para manipular. Mas na verdade, todas as razões se remetem a uma só: medo. Quem se disfarça é porque receia mostrar a sua verdadeira face, porque não quer correr o risco de deixar o coração exposto, sem saber que ele é forte e determinado e que suportará todas as provações que lhe forem impostas. É que nós não confiamos nele, porque tampouco confiamos em nós mesmos nem nos demais, então preferimos enganar e sermos enganados para viver numa paz fictícia... Mas Deus sabe qual é a nossa verdadeira face e, não importa de que laia a pintemos, Ele sempre nos reconhecerá e nos chamará pelo nosso nome. Inventamos mil motivos, desculpas e histórias, mas Ele sabe a verdadeira razão da nossa dor e da nossa felicidade. Criamos opções, saídas e soluções que nunca duram o bastante, mesmo sabendo que só existe um caminho; somos teimosos, vaidosos, orgulhosos e queremos as coisas do nosso jeito, dentro dos nossos prazos e condições... Mas, o que nos atormenta é tão simples, tão básico, tão óbvio! Não precisaríamos sair por aí contando contos, representando personagens, construindo status!... Tudo que nos aflige, nos magoa, nos isola e nos castiga é, meramemnte, a falta de amor, e por isso somos vítimas das infinitas expressões deste mal, de todos os pecados que esta carência nos faz cometer. Poderíamos descrevê-lo de tantas formas, dar-lhe tantas caras e vozes! Poderíamos fazer uma lista infindável de seus sintomas e efeitos colaterais e afirmar que, sem dúvida, se não nos curamos, esta falta de amor poderá se tornar uma doença mortal.
    É inacreditável, mas tudo em nossa existência se reduz a esta palavra: amor. A presença ou ausência dele fazem mesmo toda a diferença na vida de alguém; pode se ter tudo de bom ou tudo de ruim com ele, pode nos erguer ou nos destruir. Tudo vem do amor, vivemos por ele e por ele morremos, todas as nossas ações são comandadas em maior ou menor grau pelo amor. O procuramos sem descanso ao longo de toda nossa vida, durante cada segundo, em cada ação e pensamento, em cada encontro; o praticamos -mal ou bem- o ensinamos, o mendigamos, somos seus donos e seus escravos. Tudo é gerado por ele, mesmo que distorcido ou extraviado. Nada há em nós que não seja movido por este ideal. Podemos conhecer tão só uma parte dele ou conhecê-lo por inteiro, mas nunca estamos saciados da sua doçura, da sua paz, dos seus milagres; nos entregamos a ele sem reservas, porque confiamos em su sabedoria e poder, ou o rejeitamos porque nos faz sofrer e nos exige demais, mas jamais poderemos nos esquecer de que ele existe e espera por nós... O amor é o grande movimento, o movimento total, perfeito, pois contém todas as ações, todos os pensamentos, as intenções, os esforços e sonhos do ser humano, de um modo ou de outro. É de onde viemos e para onde retornaremos no fim da nossa jornada, é a nossa paz, nosso porto, nosso alimento. Como poderíamos então existir sem ele, sentir-nos humanos, civilizados, completos, se não o praticássemos?...
   Procurar, encontrar e vivenciar o amor é a grande missão do homem, é o que o torna humano e divino, é seu dever e a sua recompensa, a sua filiação, é o que o mantém vivo e lhe confere essa faísca divina que o torna filho de Deus.

sábado, 29 de outubro de 2011

"Prédios e escravos"

Nossa, já faz tanto tempo que não sento aqui para escrever que até estava começando a esquecer como era a página inicial do meu próprio blog!... Mas é que tenho andado tão ocupada com tanta coisa -do festival de teatro à busca de um apartamento no centro de Santiago- que realmente não tenho tido nem tempo e nem cabeça para escrever muita coisa. Tudo na minha vida está prestes a dar uma guinada  tão grande que mal consigo pensar, dormir, trabalhar, que dirá escrever!... Mas não se preocupem, em qualquer lugar que for parar, pretendo continuar com este blog, com as experiências, as reflexões, as histórias. Isto é algo que está em meu sangue, que faz parte do meu dia-a-dia e, por mais complicadas que as coisas fiquem, é uma rotina que nunca vou conseguir tirar da minha vida... Eu sei que estou parecendo misteriosa demais, mas por enquanto não posso contar muita coisa, pelo menos até que certos assuntos não estejam completamente resolvidos, então, terão de ser pacientes e contentar-se somente com as crônicas, porque a história da minha própria vida está temporáriamente tomada por um delicioso impasse. Mas, como vocês já sabem que não consigo guardar nada em segredo por muito tempo, não terão que aguardar muito para saber os fatos. Por enquanto só posso dizer que as novidades são intermináveis, assustadoras porém deliciosas, que a aventura e a transformação estão à minha porta e que pretendo deixá-las entrar e abraçá-las como  velhas amigas longamente aguardadas. Talvez devia ter feito isto há mais tempo, mas a gente só faz as coisas quando está mesmo preparada, porque já aprendi que não adianta botar a carroça na frente dos bois porque alguém invariavelmente acaba atropelado. O rio corre sozinho, não precisamos empurrá-lo, mas saber entendê-lo y acompanhar seu curso com serenidade e atenção, pois é assim que sabemos quando agir, quais as respostas, onde estão as portas e os caminhos que precisamos abrir e percorrer para alcançar a felicidade... E é precisamente isto que estou fazendo, e parece que o universo todo está conspirando ao meu favor. Posso pedir mais?
     Então, aqui vai, finalmente, a crônica da semana.


    Fazia a minha costumeira caminhada pela manhã cedo quando, quase chegando numa esquina menos movimentada, tive de parar abruptamente porque aquela moto barulhenta subiu sem aviso na calçada e estacionou bem na minha frente, sem a menor cerimônia. Eu fiquei ali parada, olhando com expressão incrêdula para ela, e aguardei para ver o que iria acontecer. Do veiculo desceram dois garotos, que tiraram seus capacetes surrados e ajeitaram as roupas com gestos desanimados. Não falaram nada nem pareceram reparar em mim, que continuava a olhar para eles com ar de reprovação... Um deles aproximou-se então de um enorme portão de metal compacto, pintado de um amarelo mostarda, todo lascado e cheio de amassados, pegou um molho de chaves do bolso da calça, levou alguns segundos para encontrar a que queria e finalmente a introduziu no cadeado. Quando a fez girar, a fechadura soltou um som profundo, que quase parecia um gemido, e o rapaz abriu o cadeado bruscamente, como para fazê-lo calar. O amigo aguardava atrás dele com um ar cansado e apático, o corpo pesadamente apoiado na moto. O rapaz guardou a chave de volta no bolso e, pegando o puxador, tomou fôlego e começou a empurrar o portão com visível esforço. Este correu pelo trilho enferrujado fazendo um barulho de trincar os dentes. Dentro apareceu uma pequena área cimentada com um sobrado no fundo, a parte de baixo transformada numa garagem escura e entulhada. No andar de cima uma janela grande, de vidros estriados e opacos cobertos por uma cortina branca e amarfanhada, cheia de rasgos e manchas de umidade. Nos buracos em que ela estava mais enrugada dava par ver a silhueta de algúm tipo móveis -armário, estante, balcão, mesa- sepultados sob montanhas de papel empilhadas de qualquer jeito... O outro rapaz empurrou lentamente a moto até a garagem e a estacionou junto de algumas bicicletas e um carro velho, que dividiam o espaço com caixas, escrivaninhas e cadeiras quebradas, umas carcaças de computadores e até umas gaiolas enferrujadas. Em seguida, retornou para a rua e aguardou mais um pouco, sem perder aquele ar triste e desgostoso, até que o primeiro fechou e trancou novamente o portão. Então, ambos dirigiram-se até uma porta, vizinha ao portão, também de metal meio amassado e grades protegendo o vidro estriado na parte superior, estreita e suja, mostrando umas duas ou três demãos de tinta de diferentes cores, todas descascando, sustentando-se meio torta em seus gonzos sobre um degrau que um dia já fora vermelho, mas que hoje aparecia gasto e imundo, o desenho da lajota apagado pelo constante ir e vir dos sapatos. Puxando uma outra chave do bolso, ele a abriu,  e pude ver que dava para uma estreita escada flanqueada por uma parede de cor indefinida, teto alto de tábuas carcomidas e uma única lâmpada de luz mesquinha lá no topo. Olhando para cima, via-se tão somente uma parede clara e cheia de manchas de umidade, como se após a escada não houvesse nada mais... Os rapazes se entreolharam, como tomando coragem, e entraram com passos pesados. Quando o último virava-se para fechar, apareceu correndo uma moça, pálida e gorda, de longos cabelos loiros presos por um arquinho de plástico. Vestia a típica saia dos crentes, cara lavada, óculos velhos, sapatilhas de plástico, e carregava uma pequena bolsa de vinil amarelo a tiracolo. Acenou espalhafatosamente para eles e os chamou, ofegante, pedindo para que esperassem por ela. Os rapazes pararam e ficaram no pé da escada até que ela se juntou a eles, mostrando na face aquela mesma expressão de resignação e secreta revolta ao encarar a escada de lajotas vermelhas, e os três subiram lentamente. O quadro desapareceu da minha vista quando o último rapaz fechou a porta, não sem antes dar uma demorada e indefinível olhada para a rua, como que despedindo-se daquele mundo... O barulho seco da fechadura pareceu algum tipo de destino aciago sendo cumprido por todos aqueles que adentraram no prédio féio e descascado, com aquelas manchas pretas  de chuva descendo pelas paredes feito garras ou presas de algum bicho papão, as janelas de vidros sujos e quartos escuros e indefinidos por trás deles... Virando a esquina, no entanto, e destacando-se como uma ironía ou uma afronta, me encontrei com um pequeno conjunto de casinhas modestas, mas com muros de cores claras e jardins verdes e cheios de flores, pórticos com cadeiras e samambaias, cachorros deitados ao sol, janelas, cheiro de café e feijão no ar... Olhando para o prédio lúgubre e calado me perguntei se os que nele trabalhavam não se assomariam de vez em quando para espiar a vida destes vizinhos aqui fora e fugir daquele túmulo no qual eram obrigados a passar boa parte do dia. Me perguntei se nao abririam  alguns centímetros as janelas e botariam o nariz pela fresta, para respirar, para se sentirem vivos, para criarem coragem e continuarem seu trabalho naquele mausoléo decrépito. Me perguntei se a moça teria trazido de casa algum vasinho de violetas ou uma samambaia, ou então, pelo menos, uma daquelas plantas que, por superstição, todo mundo bota num canto da sala ou na entrada; ou se algum dos rapazes teria colocado uma foto, um cartaz, algum enfeite, se teria trazido seu radinho ou alguma outra coisa que lembrasse que tinha uma vida fora dali... Mas, poderiam estes detalhes sobrepujar a escuridão e o mofo, o silêncio opressivo? O som tímido do rádio ou as cores da violeta em cima da mesa conseguiriam alegrar e banir o cheiro de papel parado, de rotina, de estagnação?...
    Fiquei mais alguns minutos parada ali, diante do prédio, onde se lia numa placa desbotada, em letras pretas e incompletas, meio tortas: "Escritório de contabilidade", e me pergutei que chefe obriga seus funcionários a trabalharem -exigindo eficiência, esperteza, rapidez e comprometimento- num lugar assim, como é capaz de trancá-los ali dentro, com certeza aproveitando-se da necessidade de emprego, e largá-los assim, sepultados em meio a papéis, calculadoras, computadores velhos e ventiladores barulhentos, banheiros minúsculos e fedidos, e sair por aí em seu carro último modelo, com ar condicionado e poltronas macias..... Será que, em algum momento, lhe passa pela cabeça a imagem dos seus empregados almoçando marmita requentada -ou fria mesmo- num quarto que é mistura de banheiro e cozinha? Será que se lembra deles no inverno, quando são origados a trabalhar de luvas, gorro e cachecóis porque o prédio não tem aquecimento? Pensa em seus olhos cansados quando troca a única lâmpada amarela que pende de um fio retorcido?... E pior, será que sabe mesmo quem são estes coitados para quem assina um minguado cheque no fim do mês?...
    Dei um suspiro profundo, misto de desagrado e tristeza, e continuei a minha caminhada, concluindo que, definitivamente, tem prédios que são a cara dos seus donos e que, infelizmente, tem donos que ainda praticam a escravidão dentro deles e que ninguém fica sabendo porque estes usam o prédio féio e deprimente feito um cão de guarda que não deixa ninguém entrar para descobrir a verdade.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

"O livro da vida"

Bom, preciso aproveitar bem este último final de semana livre antes do nosso festival estudantil de teatro, que começa no sábado que vem. Serão dez dias de correria e estresse -apesar de que, ao que tudo indica, as coisas estão sob controle e não me esqueci de nenhum detalhe logístico. Mas, de qualquer jeito, sei que meu chefe achará alguma coisa para me atormentar, então estou quase resignada...- e espero que sem incidentes. Este ano o número de escolas e grupos interessados diminuiu dramáticamente, por isso, ao invés do festival ter duas semanas ou mais de duração, serão somente dez dias, incluindo a abertura, o encerramento e a premiação, que são dias em que não há competição. Por um lado, todos damos graças à Deus, pois estamos extremamente sobrecarregados e esgotados, mas também não é legal perceber a falta de interesse do pessoal... É, acho que ano que vem teremos que revisar a fórmula do festival, porque parece que cansou e deixou de ser atrativo para o público... Fora isso, os outros eventos estão programados e acho que poderão ser realizados com relativa tranquilidade, inclusive os 20 dias do espetáculo de rua do natal, então estamos todos querendo respirar aliviados. Isso se ninguém aparecer por aí com alguma daquelas surpresinhas às quais não se pode dizer "não" porque, com certeza, algumas cabeças rolariam... Vocês sabem, né? Quando peixe grande manda, as sardinhas fomam fileira e obedecem sem soltar uma bolha sequer...
De qualquer jeito, vou ver se consigo arranjar um tempinho para postar a crônica. Infelizmente, não posso fazê-lo dos computadores da fundação porque eles não têm acesso a blogs,  então vai ficar um tanto quanto difícil, mas se não conseguir, vocês vão saber por que faltei ao meu compromisso semanal.
E voltando à coisas mais interessantes do que dizer "Sim, senhor", aqui vai a desta semana:

    Chego à conclusão, depois de tanto tempo e tantos altos e baixos de todos os tipos, de que é imprescindível que passemos pela experiência, que vivenciemos tudo que nos toca, seja  o que for, pois é o único meio de aprender e crescer, de nos conhecer e conhecer os outros e assim nos tornar seres humanos melhores. Não podemos negar-nos a vivê-la, não podemos segurá-la, impedi-la ou manipulá-a segundo as nossas conveniências, fraquezas ou planos. Toda e qualquer experiência forma parte do plano do nosso crescimento, do nosso destino, pois a vida não é mais do que uma sucessão delas -grandes ou pequenas, felizes ou infelizes- que às vezes acontecem primeiro no corpo para depois alcançar a mente, ou vice-versa. Todo acontecimento, todo encontro, successo ou perda contém uma lição, tem um objetivo, e serve para que cheguemos à conclusões que poderemos utilizar mais adiante. O corpo é semelhante a um livro no qual registramos -consciente ou incoscientemente- todas as experiências pelas quais passamos, e não somente as nossas, as atuais, mas também as ancestrais, as históricas. Cada experiência abre uma nova porta, desencadeia um novo ciclo -ou o encerra- nos traz novas oportunidades, outras opções, às vezes surpreendentes, revela algum caminho que nos ajuda a dar o seguinte  passo justamente porque ele engloba a pergunta que nos inquieta e a sua resposta. Então, como podemos aperfeiçoar-nos na arte e na vida se não vivenciamos as experiências que nos são oferecidas?... Precisamos perguntar, precisamos trabalhar para encontrar as respostas, e para que isto aconteça devemos correr o risco de viver, de ser e estar onde o plano divino nos coloque; devemos ter nossos encontros e despedidas, as nossas dúvidas, nossas noites escuras e nossos instantes de iluminação. Trancados em algum canto distante, escondidos e acovardados diante da vida e seus desafios, morreremos, seremos inúteis, teremos perdido a oportunidade de participar da aventura que é a istória desta humanidade e, pior, a nossa parte -única e intransferível- ficará faltando na trama desta história e nunca saberemos da sua importância. Nos perguntaremos se teríamos feito alguma diferença, mas jamais saberemos a resposta."

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

"Derrotados ou arrependidos?"

Bom, depois de ter passado a manhã inteira percorrendo todas (as quatro) sapatarias desta cidade e quase ter enlouquecido algumas vendedoras sem conseguir encontrar as sandálias que procuro -e necesito, porque está virando uma tortura andar o tempo todo de salto alto-  e praticamente derreter sob este sol calcinante, cá estou, finalmente em casa, depois de um reparador cochilo após o almoço no restaurante do shopping. As cadelinhas ainda estão esticadas na cama, curtindo o vento mais ou menos fresco do ventilador de teto enquanto eu digito, perguntando-me que verão horroroso nos aguarda se agora, no início da primavera, estamos suportando 37 graus... Cedo! Tremo só de imaginar ter que sair para a rua em Dezembro ou Janeiro!... Assim como detesto os terremotos do Chile, detesto o calor do Brasil, que não faz sofrer somente a mim que sou estrangeira, mas também aos póprios brasileiros. Parece que não há como escapar dele a não ser, é claro, que a gente fique trancada em casa, com o ar condicionado ligado, durante os meses de calor, mas isso não seria muito prático, né?... Em fim, parece mesmo que nada é totalmente perfeito nesta vida... a não ser a nossa viagem para o Chile. Isso sim foi perfeitamente perfeito!rsrsrsrs
    E antes que derreta definitivamente ou perca a inspiração, que terá se afogado no meu próprio suor, aqui vai a crônica da semana:


    "É preferível viver derrotado do que arrependido": sábia frase dita pelo apatetado protagonista de um seriado que nem é um dos meus preferidos, mas que naquela tarde preguiçosa me pegou de jeito. O tal sujeito -um fracassado congénito, segundo seus amigos, porém otimista de carteirinha- é do tipo que sempre está tentando as coisas mais bizarras dos jeitos mais absurdos, o que significa que nunca se dá bem, mas nem por isso desiste dos seus planos. Todos riem dele e o fazem pagar uns tremendos micos por conta da sua ingenuidade, mas ele não se amedronta e persiste em seus projetos, mesmo contra todos os sinais de fiasco que piscam bem diante do seu nariz... O resultado de todas estas confusões e desencontros, no entanto, são lições extremamente originais e positivas, mostrando que às vezes -ou muitas delas- as derrotas não são tais, mas pequenas e pouco ortodoxas vitórias capazes de  transformar a vida. Porque realmente é melhor se arrepender por ter tentado -mesmo fracassando- do que ficar com aquela dúvida paralisante sobre o que teria acontecido se não tivéssemos desistido... Há que se arriscar, mesmo com medo, com dúvidas, mesmo contra os pessimistas e as dificuldades que eles criam, porque nada é fácil assim, tudo tem seu preço, mas depende da nossa atitude e persistência pagar mais caro ou mais barato pelo sucesso. Há que se lutar, se jogar, acreditar, procurar saídas, abrir portas, questionar; há que se ter coragem para mudar se for preciso, para se reinventar, para quebrar e reconstruir os moldes velhos e viciados. Há que se ter a visão, a força, a criatividade, a força de vontade para se embrenhar pelos novos caminhos e tentar vencer os inimigos (a começar por nós mesmos) porque é preferível ser derrotado em batalha do que perder sem ter mexido um dedo para ganhar. Deste tipo de fracasso sempre poderemos tirar uma lição positiva, pois nos envolvemos de coração, acreditamos, fizemos o universo caminhar ao nosso lado e despertar as suas forças em nosso favor, então, nada de amargo ou triste terá esta derrota, porque teremos medido lealmente as nossas forças, a nossa coragem, a nossa fé...
    Poderemos ser derrotados uma, dez, cem, mil vezes ao longo da nossa existência, porém, nosso consolo será saber que não temos do que nos arrepender, pois fizemos tudo ao nosso alcancce e aprendemos a lição. As derrotas podem, muitas vezes, nos trazer não tristeza ou frustração, mas sabdoria, maturidade, sagacidade, iluminação.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Animais

Este vai ser um daqueles fins de semana que deixam saudade, com certeza... Por quê? Pois porque ao invés de ter meus habituais três dias de folga, vou ter quatro dias e meio, o que vai ser uma benção para os meus escritos... Na verdade, hoje tinha agendada uma apresentação dos meus alunos como parte da programção da Semana Estudantil, um evento que o prefeito inventou de última hora não sei por que cargas d'água, mas ela foi cancelada e será a escola de ballet quem fará as honras para essa pivetada desgovernada. Estes quatro gloriosos dias se devem, na verdade, não a alguma regalia, mas ao meu checkup anual.  Na segunda tenho médico e na terça farei alguns exames, então só aparecerei na fundação na terça à tarde, mas não estou preocupada porque tenho e Leander ao meu lado e sei que ele manterá tudo sob controle até eu voltar... Aaah, se vocês o conhecessem estariam com inveja, porque o cara é mais do que sensacional. Acho que eu já disse que ele é meu anjo da guarda, não disse? Com caras assim numa equipe dá gosto trabalhar, porque as coisas funcionam mesmo. Fora isso, acho que mereço estes dias de folga considerando o inferno que me aguarda no fim de outubro, quando teremos o nosso festival de teatro. Vou passar a maior parte do dia na fundação correndo atrás de diretores, alunos, crachás, jurados, certificados, bilheteiros, etc, etc... Ainda bem que até meu chefe está cooperando, senão eu não iria dar conta!... Outra coisa boa destes dias livres é que vou aproveitar para fazer uma "desintoxicação de porcarias" e arrumar a minha agenda para poder ir na academia pela manhã, porque aterrisar por lá às 6 e meia da tarde carregando bolsas e sacolas, de salto alto e brincos, não está funcionando. Já chego cansada e irritada e nessa hora o local está lotado, quente, barulhento e os aparelhos ocupados... Sinceramente, não sirvo para esse tipo de sacrifício. Prefiro levantar mais cedo para poder ir pela manhã, que está fresco, mais tranquilo e com menos gente. Preciso retomar sério esta rotina para abaixar a minha glicemia, que está um escândalo, porque tenho que estar saudável para poder levar adiante os meus projetos...
Então, com esta nota de otimismo e maturidade, começo a minha nova rotina saudável e produtiva, é claro, com uma crônica.


    Fico olhando para as minhas cadelinhas brincando pela sala com a bolinha verde de borracha ou beatificamemnte esparramadas no tapete, para os gatos majestosamente deitados em cima dos muros; para os pardais e sanhaços que voam de galho em galho e descem para comer as migalhas que boto para eles ou tomar um rápido banho no bebedouro da parede e, a não ser que aconteça alguma coisa muito fora do normal, percebo neles aquela expressão de paz, de felicidade e satisfação que você encontra naquelas estátuas de Budah. Vejo em seus olhinhos essa centelha de consciência do presente (se é que se pode dizer isto de um animal)  aquela falta de vaidade, de maldade, de ambição que tantas vezes toma conta dos corações humanos e os transforma em verdadeiros campos de batalha. Parece que estes bichos não têm um passado que lamentar nem um futuro com o qual se preocupar, não têm metas financeiras ou profissionais para atingir, contas para pagar, explicações a dar. Não, eles vivem, simplesmente, no presente, e se contentam com o que lhes aparece, o desfrutam até onde é possível e em seguida o deixam para atrás, prontos para encarar a próxima aventura que a vida lhes depara. Se molham na chuva, se aquecem ao sol, caçam ou fuçam no lixo quando sentem fome, dormem à sombra das árvores no verão e sob os carros no inverno, percorrem as ruas sem pressa, descobrindo  com tempo e prazer os cheiros, os sons e as paisagens, a bondade e a maldade dos seres humanos. Não têm que cumprir compromissos sociais ou de negócios, não marcam consultas, não fazem fila, não reclamam, não batem ponto... Envelhecem e morrem quando a sua hora é chegada e tenho certeza de que não sofrem deste mal tão humano chamado "arrependimento", porque sempre foram verdadeiros e leais. Vêm e vão, vivem, se divertem, procriam, passam sem se queixar pela sua quota de dores e dificuldades e quando membros de uma família ou companheiros de algum solitário, deixam tão somente boas lembranças quando vão embora. São únicos e, mesmo assim, podem ser prontamente substituídos, e não com culpa, mas com o desejo de continuarmos a desfrutar de seu carinho, a sua lealdade e cumplicidade... O que mais alguém poderia desejar? 
    Definitivamente, gosto de olhar para os animais e aprender com eles.

sábado, 17 de setembro de 2011

Fotos antigas

Acho que, apesar de todas estas mudanças e dos constantes e às vezes quase intransponíveis desafios que implica trabalhar num lugar como a Fundação Cultural, que é sempre cheia de surpresas -agradáveis e desagradáveis- a minha vida está começando a entrar novamente nos trilhos, inclusive nos desgostos, que são aqueles velhos conhecidos com os quais, por um momento, desaprendi a lidar (muita felicidade tem esse efeito colateral)... Mas, o que é a vida sem um ou dois contratempos, sem as pessoas chatas, que nos amolam e só nos dificultam as coisas? Acho que sem a sua presença e as suas "maldades" passaríamos bem entediados e acabaríamos estagnados por falta de desafios, não é mesmo?... Então, um modesto "bravo" para os chatos, os tiranos, as fofoqueiras, puxa-sacos e medrosos, para os turrões e insensíveis porque, afinal, nós não saberiamos apreciar as coisas boas se não nos deparássemos com estes imbróglios de vez em quando.
Então, antes de que me apareça algum deles (porque ontem, quando fomos ao shopping a minha filha e eu, parece que eles estavam fazendo fila à nossa espera!) aqui vai a crônica da semana.

    Às vezes, pegar um álbum velho, daqueles que empoeiram na prateleira mais alta -ou mais baixa- da estante da sala ou no fundo de algum armário, se ajeitar confortavelmente numa poltrona com um copo de suco e alguns biscoitos na mesinha ao lado e abri-lo para dar uma olhada naquelas fotografias da nossa infância e juventude pode resultar numa ótima forma de terapia e reavaliação, pois esta singela atividade pode nos ajudar enormemente a entender ou interpretar de novas formas os fatos e as pessoas que estiveram envolvidas neles (e que às vezes deixaram tanta mágoa ou tristeza, tantas perguntas sem resposta e arrependimentos) pois a maturidade que a vida vai nos dando pode, com certeza, mudar até radicalmente a visão que tínhamos dos acontecimentos e das ações dos outros, inclusive das nossas próprias... Rever e reformular os eventos é como entender as raízes de uma árvore e acompanhar seu desenvolvimento sob a terra, pois só então sabemos como ela cresceu e por que tomou aquela direção e não esta outra, como se tornou a árvore que vemos hoje, quão forte ela é e por que dá os frutos que dá. Compreendemos a forma dos seus galhos, o frescor da sua sombra, o sabor dos seus frutos, a cor das suas folhas, e lhe perdoamos os galhos soltos, a sujeira no outono, a nudez do inverno... Ver fotos antigas nos faz refeltir, reconsiderar, nos sentir contritos ou iluminados, nostálgicos e cheios de ternura. Alguns fantasmas se esvanecem, ou pelo menos, se tornam menos medonhos e poderosos e assim nós podemos ter a chance de encará-los e exorcizá-los para que apaguem todas as miragens que criaram para controlar-nos e manter-nos em seu passado mórbido.
    Percorro as páginas do álbum enfeitado e olho a minha mãe, meu pai, meus primos e primas, tios e avós em paisagens rurais, em ruas ígremes ou flanqueadas de verde, em pátios ensolarados, sob árvores centenárias, em salas de festa ou em volta de mesas de natal e aniversário, em praias e parques, e tenho certeza de que estou diante das minhas raízes, que sou um dos galhos desta árvore imensa que é uma família, e que de mim estão surgindo novos galhos, flores e frutos, todos alimentados por uma única raiz.. Mas, agora fecho o álbum e de repente me pergunto: quais são as nossas verdadeiras raízes? Onde elas estão fincadas? São físicas ou espirituais, divinas, humanas? Será que poderíamos mergulhar e alcançar o início, a semente, o milagre primeiro da existência para comprovar que, efetivamente, somos todos feitos da mesma matéria, filhos de um mesmo coração, provindos do mesmo útero, irmãos e herdeiros da eternidade, folhas da árvore imortal que é Deus?...

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Mãe, pátria

Vocês devem estar achando que eu desisti, que perdi a inspiração, sofri algum tipo de acidente incapacitante ou fui abduzida por um ovni e por isso já faz duas semanas que não posto nada, mas a verdade é bem outra. Antes de mais nada, vou dizer que nem por um momento pensei em desistir de escrever -isso seria a morte para mim!- mas acontece que estes têm sido dias difíceis, com perdas e mudanças fenomenais às quais estou começando a me adaptar, e como sou uma pessoa de rotinas e rituais, não está sendo nada fácil... Dia 24 de agosto perdi a minha mãe e logo em seguida houve uma mudança radical em meus horários de trabalho -o que jogou por água abaixo todos os meus esquemas- e uma das minhas turmas de teatro foi arbitrariamente dissolvida por motivos bastante escusos, porém inapeláveis (já sabem, quando chefe manda..) Agora trabalho todos os dias -de segunda à quinta- de manhã e à tarde, então acabaram-se as inspiradoras caminhadas matinais e as sessões de escrita, a academia passou para o fim da tarde, quando saio da fundação, lá pelas 18:30, o que é uma hora terrível para mim porque nessa altura do dia já estou sem energia, e tenho que almoçar, ou no restaurante, ou levar marmita e requentar no microondas, o que não é lá muito saudável... As suas vantagens tem, porque não trabalho mais à noite, então chego em casa numa hora decente e consigo jantar cedo, coisa que com certeza vai melhorar a minha glicemia -que está uma merda com toda esta revolução- nem nos finais de semana, a não ser que tenha algum evento que requira a minha presença, fato que, acredito eu, agora não vai ser muito frequente porque tem uma outra pessoa que está arcando com esses compromissos (graças à Deus!). A outra coisa positiva é que, pelo menos, e apesar de todas as nossas desavenças e esbarrões, meu chefe manteve as horas extra que combinamos no início do ano, então meu salário não vai ficar desbancado com estes câmbios de horário, coisa que seria uma verdadera catástrofe para meu orçamento... Mas na verdade não é bem um favor, porque não vou ficar com elas de graça, vou ter que trabalhá-las, e muito! Ainda bem que tem tanto projeto que não vou ficar ociosa. A outra coisa boa é que, finalmente, vou poder trabalhar em equipe com o Leander, meu aluno mais antigo -e novo diretor do musical- que é um cara mais do que sensacional, criativo, bem-humorado, eficiente, sensível e tremendamente antenado com a minha linha de trabalho... Resumindo, quase um anjo da guarda, por isso acho que o coitado vai ter de servir de ponte entre meu chefe e eu, porque é um meio termo entre ele e eu, que somos os extremos radicais no que diz respeito ao trabalho teatral... Mais um ponto positivo é que, também finalmente, terei à minha disposição um dos computadores da fundação -infelizmente não em minha sala, mas um é melhor do que nenhum- com uma senha pessoal e tudo, então vou poder ocupar o tempo que tenha livre -que não será muito- escrevendo textos, planos de aula e todo tipo de coisa que antes era obrigada a digitar e imprimir aqui em casa...
    Em fim, como vêem, a coisa ficou entre féia e cheia de bons presságios. O negócio agora é achar o equilíbrio e continuar a trabalhar, a crescer, a aprender e a ter paciência com esses furúnculos que a vida faz questão de botar em nosso caminho só para ensinar-nos a ser fortes, corajosos e otimistas... A gente sempre reclama, mas é pro nosso bem. Como sempre, as dificuldades podem parecer um castigo no início, mas se sabemos aguardar e enxergar, no fim veremos que tudo valeu a pena.
    E agora, chega de delongas, que já passei tempo demais longe deste teclado!... Então, aqui vai a crônica desta semana, temperada com o prazer de retomar velhas e libertadoras rotinas.

    É muito estranho perder a mãe...Mesmo estando longe, mesmo brigada, doente ao ponto de não reconhecer-nos, mesmo sem notícias ou aparentemente relegada a um segundo plano pelas correrias e preocupações de nossa vida de adulto, apesar de saber que a sua hora se aproxima e que nada poderemos fazer para evitar a sua partida, mesmo convencidos de que isto será o mais misericordioso e justo para ela, para que não sofra mais, quando a voz do outro lado da linha diz, num tom baixo e contido:
    -Estou te ligando para avisar que a mãe faleceu.
    Alguma coisa pára, fica gelada e muda no fundo do peito, e uma onda de estranheza e torpor percorre cada canto do corpo. Há aquele silêncio, como se a minha irmã e eu tivêssemos ficado a nos olhar durante uma eternidade, tentando acreditar, assimilar... Insantaneamente, uma enxurrada de imagens, sons e episódios vêm à minha cabeça, sobretudo as daquela única viagem que fizemos eu, ela e a minha filha, durante a qual descobri quem a minha mãe realmente era: uma mulher que gostava de se divertir com coisas simples, de compartir as suas experpiências, de rir e descobrir os pequenos milagres ao nosso redor... Em oposto a estas visões e sensações, não consigo deixar de imaginar seu coração agora parado, seu corpo miúdo e tão enfraquecido quieto e frio, seus olhos cintilantes fechados, a quietude da morte invadindo tudo sem despedidas, e aquele sentimento de vazio agiganta-se num sopro monstruoso. A carne, os ossos e o sangue do qual fui gerada deixaram de existir, a corrente se rompeu e eu fiquei aqui, estupefata, órfã, ainda mais do que quando meu pai morreu, porque naquela ocasião eu tive uma espécie de aviso, de pressentimento, algo como a sua voz cochichando em meu ouvido, lá no fundo: "Eu já cheguei lá, não se preocupe, estou bem", e aquele sonho em que alguém aparecia para mim contando-me que ele havia falecido... Porém, na hora em que a minha mãe partiu eu estava trabalhando, na rua, fazendo meu jogo da mega sena, preocupada com a apresentação do fim de semana, participando de outra reunião enfadonha e frustrante... Contudo, curiosamente, tudo naquela quarta-feira deu certo, como se mãos invisíveis clareassem os caminhos para que meus planos corressem sem tropeços. Nenhum pressentimento sombrio empanou meu da, nenhum aviso, nenhuma repentina sensação de perda, mesmo estando consciente da gravidade do seu estado (quase morreu quando estávamos no Chile, mas ainda superou aquela crise e continuou resistindo) Nâo, ao contrário, foi um dia próspero e otimista, sereno, pleno de bons presságios, como ela mesma... Agora estou convencida de que era a minha mãe despedindo-se, ensinando-me a sua última lição: "Acredite, porque tudo tem seu tempo. Não há mal que por bem não venha"... E foi desse jeito que me senti ao longo da jornada, cheia de disposição e inspiração, de otimismo... Inclusive agora, mesmo depois de ter escutado as palavras da minha irmã e ser lentamente tomada pela estranheza e o negro vazio da orfandade, uma faísca, em algum lugar, ainda mantem-se acessa e quente, mesmo ameaçada pelo vento do meu desconsolo... Vem um nada, uma apatia, um agir automático, lento, contido. Os olhos marejam e sinto o abraço firme e emocionado da minha filha segurando os pedaços do meu coração. Alguma coisa imensa e dolorosa, assustadora, entala em minha garganta, sufocando-me quase. Parece que alguma parte do meu corpo foi arrancada, algo nas entranhas, lá no fundo, no primordial, no instintivo, e aquele buraco cresce, cresce e me devora... O mundo ao meu redor fica distante, opaco. Agora não me falta tão somente a pátria, mas também a minha mãe... E como elas significam a mesma coisa, percebo neste instante! Em Santiago me sentia como se estivesse nos braços da minha mãe, sendo acariciada por ela, escutando a sua voz, sentindo seu perfume, aspirando seus ares, compartindo as suas lembranças... A mãe pátria, a terra que me viu nascer e crescer, que me amparou e me ensinou, que jamais me abandonou, que esteve sempre perto, acolhedora e compreensiva, real, forte, inabalável apesar de terremotos e doenças, que continuava inteira e íntegra apesar do tempo e da distância. Tetrra e mãe que trago dentro de mim com uma marca indelével, que contém o que sou de mais verdadeiro e eterno... Regressar a Santiago -não só à minha rua ou a minha casa, mas à cidade e tudo que ela é material e espiritualmente- foi mesmo como regressar para os braços da minha mãe, por isso tudo de ruim que havia em mim desapareceu como por encanto e nada conseguiu me perturbar. Por isso a minha paz e felicidade eram perfeitas. Estava, finalmente, de novo, feito um guerreiro que retorna da batalha, no colo conhecido e regenerador da minha mãe...
    Agora só me resta a mãe pátria, e ela há de preencher o vazio que a outra mãe acabou de deixar.
    Acho que foi por isso que ela não se manifestou de outras formas ao morrer. Já o havia feito através da terra, do ar, dos dias de sol, das paisagens e sons que me envolveram e embalaram ao longo dos doze dias que passamos em Santiago... Que presente precioso! Quanta delicadeza da sua parte! Como antes de partir me deixou nos braços da minha mãe pátria!... Nâo podia ter escolhido uma despedida melhor, mais cheia de significado!... "Gracias, mamachita!."

sábado, 20 de agosto de 2011

"Êxtase e vazio"

Devo confessar que ainda está difícil me acostumar com as coisas depois da minha volta, o que me tem meio "des-inspirada", meio devagar, meio desnorteada... Nossa, juro que não pensei que a minha ida ao Chile fosse ter estes "efeitos colaterais"! Eu não sei o que está acontecendo -e com a minha fiha é a mesma coisa-  mas preciso botar as pilhas e  desencavar de algum buraco muito fundo meu ânimo, a minha inspiração (preciso escrever uma peça para o encerramento do projeto de circo da fundação neste fim de semana!!!!) a vontade e o envolvimento com meu trabalho, preciso reencontrar aquela sensação deliciosa de realização, de felicidade por criar algo bom e ser capaz de levá-lo ao palco... Ontem foi a re-estréia do musical com o novo elenco e sob a direção do meu aluno e, apesar de todas as minhas dúvidas e receios (e todas aquelas brigas de graça) a coisa até que foi muito bem. O público adorou e a criançada foi muito eficiente considerando que tiveram, no máximo, dez ensaios. Há muita coisa a ser trabalhada para melhorar, mas acho que o objetivo foi alcançado e fico mesmo feliz com isto. Porém, agora todo esse trabalho de aperfeiçoamento não está mais em minhas mãos. Na verdade, tenho um monte de outros projetos com os quais me ocupar, inclusive as apresentações dos meus próprios alunos nos próximos dois finais de semana, o encerramento do curso de circo, da área de música e de dança, isso sem contar a organização e realização do nosso festival de teatro estudantil, então, trabalho não vai me faltar, mas... É que é tremendamente esquisita esta repentina certeza da gente ser substituível, de ter feito um trabalho tão eficiente com os alunos (sobretudo com aquele que me substituiu na direção do musical) que a minha intervenção não é mais necessária para que a coisa funcione. Quando penso nisto, sou tomada por todo tipo de sentimentos conflitivos, entre os quais o alívio e preocupação, e uma certa tristeza ao mesmo tempo que alegria por tudo ter dado tão certo... Vocês entendem isso?... Bom, acho que ainda vai me levar um tempo para assimilar esta descoberta e aprender a lidar sem angústias com este processo de "subsituição". Porque a vida continua e tem muita coisa nos aguardando lá na frente, não é mesmo? Então, não podemos parar nas mudanças, pois elas acontecem justamente para fazer-nos crescer e avançar, não para deter-nos ou deixar-nos tristes... Mas já sei que aprender isto vai levar um tempinho meio sofrido, infelizmente. De qualquer jeito, tenho certeza de que tudo é para o bem de todos, então, vou respirar fundo, virar a página e me jogar na próxima aventura!...Então, aqui vai a desta semana que, escolhida ao acaso, parece ter sido escrita para a situação que estou vivenciando. Parece que tem hora que a gente adivinha o que vai nos acontecer no futuro, não é mesmo?...


    Plenitude ou vazio? Luz ou escuridão? Ação ou imobilidade? Ruído ou silêncio?... Acredito que ambos, sempre, pois não conheceríamos nem saberíamos apreciar um sem a presença do outro. O vazio poder ter sido a origem da criação que conhecemos, e a plenitude pode ser a sensação que antecede à morte, por que não?... Não existem regras sobre os opostos, que podem se manifestar em qualquer ocasião. O vazio tem seu final, que é quando começamos a criar de novo, e a plenitude, por sua vez, tem seu ocaso quando o ciclo que vivenciamos se completa e percebemos que é preciso "partir para outra". Então, temos que dar-lhe um final; e é inveitável, quase que instintivo, desestruturar-nos após o clímax, ficarmos meio perdidos e assustados... Porém, ninguém permanece no vazio para sempre -a não ser que não seja dono de si mesmo, fisica ou mentalmente- e ninguém cria sem cessar, esta é uma lei, o processo do pêndulo que nos mantém em equilíbrio, é por isso que em nossa vida existem períodos de descanso, de "limbo", de morte e aparente vazio. Eles são imprescindíveis para que nos avaliemos e possamos nos reformular quando necessário, já que só nos reciclando e abrindo novas portas é que poderemos dar mais um passo em nosso desenvolvimento, pois teremos um novo impulso, um outro olhar, uma clareza que não alcançaríamos sem esta parada...Não é à toa que o ser humano carrega vida e morte dentro dele e está sempre manifestando estes dois extremos em todos os planos da sua existência... Sustentar indefinidamente o vazio ou a plenitude, a luz ou a escuridão, a felicidade ou a dor acaba por exaurir-nos e estagnar-nos, nos faz apodrecer na rotina e na acomodação, pois não há renovação, não temos novas opções e atitudes, não existem desafios nem descobertas porque nos acostumamos naquilo que conhecemos e aprendemos a manipular com segurança. Tememos a mudança, a novidade, o desafio, o desbravamento de novas estradas, o encontro com personagens desconhecidos e o relacionamento que travaremos com eles. Mas é o fim de cada experiência o que nos leva automaticamente ao início de uma outra, o que sempre significará crescimento e sabedoria. Não podemos ficar viciados em clímax  ou vazios, em dor ou felicidade, pois com o tempo fatalmente irão perder seu significado e barrarão a nossa evolução. Precisamos lembrar que tudo está em constante movimento, sempre mudando, se expandindo, pedindo de nós idênticas transformações e ações. Assim, o êxtase e o vazio não são estáticos -mesmo que nós tentemos segurá-los, roubando-lhes seu real significado e objetivo- e invariavelmente darão lugar a novas experiências... E é disto que a vida é feita: de novidade, de expectativa, de mudança, de desafio, de fé e, principalmente, de luta.

sábado, 13 de agosto de 2011

"Extremos"

Bom, se eu achava que iria ter menos trabalho porque não estou mais na direção do musical, devo dizer que estava redondamente enganada porque, ao invés de diminuír, parece que as montagens e projetos só aumentaram, inclusive aqueles do tipo: "Preciso de uma interferência para amanhã à noite!" (isto dito às 8:30 da noite anterior!)... O pior é que a gente sempre consegue dar conta deste tipo de loucura, então estamos sempre às voltas com elas, o que é um delicioso desafio, não vou negar, sobretudo quando o resultado da correria e da criatividade é positivo e elogiado; mas também significam muito estresse e horas extra inesperadas. Ontem, por exemplo, foi a abertura da exposição sobre o Taró de Henrique Aragão, e tivemos que montar uma interferência em tempo recorde -que, graças à Deus deu certo e enriqueceu o evento, apesar dos imprevistos e sustos- e eu, que achava que finalmente voltaria a ter meus três dias livres após tanto tempo, acabei tendo que ficar por lá e cheguei às 11 e 30 em casa, sem ter tomado meus remédios, com uma tremenda dor nos pés e uma séria ameaça de azia por conta dos comes e bebes que tive de engolir, porque como não esperava ter que ficar até tão tarde, não levei nada para jantar civilizadamente.... Então, imaginem como estou hoje! Totalmente podre! Acho que não estou mais com fôlego para este tipo de desarranjo, afinal acabei de fazer 5.5!... Mas, meu consolo é pensar que hoje à tarde vou poder dormir à vontade e que na reunião administrativa de segunda-feira talvez escute algum elogio do meu chefe...
No entanto, como não existe quase nada que me impeça de cumprir com as minhas obrigações literárias, e mesmo bocejando e com a vista meio turva, aqui vai a crônica desta semana, entre uma espreguiçada e outra.


    Às vezes fico espantada ao comprovar como é mesquinha a nossa visão dos acontecimentos e das pessoas!.. Mesmo sabendo que tudo acontece para um bem maior, não importa quão ruins as aparências possam ser, se não conseguimos enxergar ou experimentar este bem na hora da nossa provação, imediatamente abandonam-nos a fé e o ânimo, a inspiração e o otimismo, e nos sentimos injustiçados, punidos por um capricho arbitrário de Deus, preteridos e desprezados pelo seu amor. Ao invés de os empecilhos ou derrotas servirem para injetar-nos coragem e persistência, para fazer-nos lutar e continuar acreditando em nossos sonhos e objetivos, num piscar desabamos e ficamos ali estagnados, a lamentar-nos e tentar atrair a compaixão do mundo, esperando que eles façam o que é a nossa parte para que as coisas funcionem... Bem que poderíamos ser feito os santos e usar os olhos da nossa alma, que sempre enxergam a verdade!... Porém, ao invés disso, nos deixamos levar pela ilusão de fracasso que nós mesmos criamos, e damos a ela o poder de nos destruír, de nos desviar do nosso destino, de nos fazer desistir. Não percebemos que a dificuldade não é um castigo, mas uma lição, uma lapidação para que aprendamos a ser fiéis, justos e compassivos, pacientes e persistentes, criativos, solidários, para que nos unamos na dificuldade e na superação... Porque a morte não é realmente o fim, os acontecimentos negativos e as perdas não são castigos, mas oportunidades, desafios, portas para mudanças e renovação. Acho que Deus permite a existência daquilo que chamamos de "mal" -ou deste mal em nós- simplesmente como um meio de fazer-nos crescer e aprender. No entanto, temos que saber que não é só com estes capítulos escuros e amargos que amadurecemos, mas também com a experiência da felicidade, do sucesso, dos dias de serenidade, da beleza do amor e da partilha. A existência precisa dos extremos, pois um dá valor sentido ao outro, pondo à prova e sustentando nosso equilíbrio. Eles são indivissíveis, necessários, parte da consciência e da realidade de sermos humanos...
    Deus é felicidade e amor, mas também pode ser dor e ira quando preciso, na forma das conseqüência dos nossos atos."

sábado, 6 de agosto de 2011

"Vento"

Como começar a descrever o que foi esta viagem?... Ainda não acabei de assimilar os milagres, as paisagens, os sabores e sons com que fui presenteada naqueles dez dias em Santiago. Encontros, novidades, lembranças, reencontros, rituais, renovação, raízes... Para vocês terem uma idéia, ainda nem consegui começar a desenvolver  os poucos apontamentos que consegui escrever, pois é tanta coisa que vem à minha cabeça quando sento para digitar, que o trabalho de relatar esta verdadiera jornada espiritual, psicológica e ancestral, vai me tomar algum tempo ainda, e com certeza vocês vão ficar sabendo, porque acho que algumas das experiências pelas que passei podem ser compartilhadas, pois vão além de visitar a terra natal, reencontrar parentes ou saborear a comida típica... Como agora não estou mais à frente do musical (outro pequeno milagre) voltarei a ter meus três dias de folga, então disporei de mais tempo e calma para trabalhar tudo isto.
    Ao contrário do que achei, a notícia de ter sido afastada da direção do espetáculo não me deixou triste ou revoltada, mas felicíssima, pois agora posso me dedicar a outros projetos, coisa que já estava me deixando angustiada, porque não consigo ficar presa a uma só atividade, e o musical já tinha dado o que tinha que dar, ao menos para mim e, ao que parece, também para o primeiro elenco, que decidiu abandonar o projeto faz pouco tempo, deixando todo mundo em polvorosa. Eu acho que, quando alguma atividade (a não ser que seja de supervivência) começa a ficar problemática, entediante, estressante e a provocar brigas ou mágoas entre os envolvidos, é hora de mudar o rumo da dinâmica ou então partir para outra, e como meu chefe não estava disposto a mudar rumo algum, optou por me dispensar e colocar um aluno meu na direção, coisa que eu achei ótima, porque este aluno é o melhor e merece o privilégio e assim, mesmo continuando a ajudá-lo no que puder, eu fico livre para me dedicar a outros projetos. A única coisa que me deixava realmente angustiada quando estava no Chile era pensar que teria de regressar para continuar com o musical, o que significava a volta às brigas, às humilhações e à pressão que vinha sofrendo antes da viagem, mas quando meu chefe me ligou no sábado para me comunicar que não precisava comparecer ao ensaio de domingo porque já tinha outra pessoa em meu lugar, juro que foi a mesma coisa que se me tirassem um guindaste dos ombros. Fiquei leve e feliz, contente pelo meu aluno que, com certeza, dará conta do recado, e pronta para continuar, para realizar coisas novas, para voltar a criar e a produzir com sempre. Há que seguir em frente, há que se mover, há que crescer, e nada que esteja parado nos leva a isto, não é mesmo?..
    Então, retomando velhos e deliciosos hábitos, aqui vai a crônica desta semana... E antes que me esqueça: obrigado Sol, pelas mensagens! Talvez agora possamos conversar sobre algum projeto!...

    O vento, caprichoso e temperamental, brincalhão ou destruidor, misteroso movimento que não vemos mas que, mesmo assim, nos toca, nos fala, abala o universo, rege as águas e o fogo, nuvens, areias, montanhas e vales. Não sabemos de onde vem nem para onde se dirige, mas isto, na verdade, não importa. O que importa é que ele se manifesta, interage com a criação, gera e destrói, se desloca incessantemente, como que à procura de um porto, de um final, de um descanso que não encontra. A sua dança é ancestral, vem do espaço, das estrelas e constelações, do pensamento de Deus, e não conhece o tempo nem o espaço. É uma energia invisível, porém real, como tanta coisa em nossa vida e, mesmo sem poder enxergá-la, acreditamos nela mais do que cremos nas manifestações divinas, que acontecem a cada instante bem diante dos nossos narizes. Nada é insensível à passagem do vento... Podemos segurá-lo na mão? Podemos guardá-lo numa caixa, num saco, numa redoma? Podemos dar-lhe ordens, direcionálo, detê-lo?... Como, se não tem um corpo, mesmo se seu toque é tão sólido e absoluto? Ao contrário de nós, o vento é realmente livre, não está contido em forma alguma, não há como descrevê-lo; só podemos senti-lo. Às vezes até nos parece humano, com uma personalidade, intenções, esperteza, vontade, porque pode ser  bondoso e brincalhão, ajudar nos dias de calor, secar a nossa roupa e espalhar sementes, pode amansar as ondas e fazer os trigais dançar. Mas também pode ser cruel e vingativo, destrutor, impiedoso, derrubar árvores e destelhar casas, congelar o ar, fugir dos pulmões, apagar o fogo que nos aquece... Todos nós  alguma vez já tentamos compreendê-lo, nos tornar seus amigos, seus cúmplices, classificá-lo, traduzir a sua linguagem, adivinhar as suas intenções, que sempre vêm acompanhadas de sinais visíveis. Achamos que ele fala conosco porque eleva as nossas pipas no céu, empurra as nuves na frente do sol abrasador, inventa coreografias com os lençóis no varal, faz os sinos cantarem, brinca com as folhas secas e as sacolas vazias, espalha os aromas da vida e das estações, aviva o fogo, esculpe rochas, movimenta desertos, e em todas estas manifestações pensamos encontrar uma tentativa de comunicação, de interação, de cumplicidade da sua parte que nos torna parceiros. É poderoso, forte e invisível, mas, mesmo assim, acreditamos nele e o tornamos parte das nossas vidas, talvez porque ele nos lembra que algum dia, por algum milagre longamente esperado, também nós, como ele, nos tornaremos livres.
    Agora, eu me pergunto: como dançamos o vento? Talvez aceitando seu mistério e seus mil disfarces? Talvez criando asas e seguindo-o? Talvez dobrando-nos à sua vontade?... Nada é ele e ele é todos. Assim como nós, que não somos nada em nossa brevidade e fragilidade e, ao mesmo tempo, somos tudo porque contemos o milagre da existência dentro de nós. Aceitamos as peculiaridades porque somos nós mesmos quem as criamos e cultivamos, porque precisamos ser diferentes uns dos outros, porque a diversidade é o que enriquece a experiência de viver e o que nos leva a crescer. Somos vaidosos e densos demais, céticos, ambiciosos, presunçosos, mesquinhos e egoístas, porém, carregamos em nosso âmago a faísca divina que é capaz de apagar tudo isso e nos transformar não num furacão arrasador -isto já somos, na verdade!- mas numa brisa benéfica e constante, que pode levar harmonia, sabedoria, paz e compaixão aos quatro cantos do mundo. Somos tremenda, absurdamente individualistas, mas acho que, no fundo, sabemos que não somos um, este, aquele, mas todos em todo momento; partes de um corpo infinito em constante expansão. Passamos pelas diferentes partes deste corpo exercendo diferentes funções, vivenciando experiências que nos conduzirão até seu âmago. Nos movemos sem nunca sair dele, mas cada experiência -ou lugar dele- nos fornece uma nova visão, outro ângulo, uma compreensão um pouco mais abrangente sobre como ele funciona. Vamos enxergando este corpo em sua totalidade até confundir-nos, fusionar-nos com ele. Então adquirimos a compreensão total. O âmago, descobrimos, é o todo, não se encontra num só lugar, distante e aprisionado, mas em tudo, sempre. Estando nele, estamos conectados a tudo, então. Não precisamos mais falar,  nos mexer, pensar. Simplesmente somos.

sábado, 9 de julho de 2011

Nosso pai

Bom, esta será a última crônica que postarei antes da minha viagem (parto na sexta, dia 15, ao meio-dia) mas se puder, vou tentar postar a da próxima semana lá do Chile. Não sei se vou conseguir, mas não será por falta de um computador (Afinal, onde NÃO tem um?) mas por conta das emoções pelas quais estarei passando e que, talvez, me roubem um pouco de concentração e inspiração... Nossa, nem estou conseguindo dormir direito de tanta ansiedade! Faz quase quinze anos que não visito meu país e estou expectante para ver como está, se tudo aquilo que conheci ainda está lá ou se mudou por completo, e devo confessar que esta perspectiva é meio assustadora porque não quero me sentir uma turista em minha pátria. Deve ser uma sensação bem pouco agradável... Mas vai ser sensacional escutar meu idioma, comer aqueles pratos típicos -que nunca consegui reproduzir direito acá- caminhar pelas ruas de Santiago, levantar de manhã -e não congelar, espero!- olhar pela janela e ver a cordilheira, branca  majestosa... Nossa, como tenho saudade daquela massa lilás e azul, de cumbres sempre nevadas! Era a minha referência, o cartão de visita do meu país. Já aqui, não importa para onde me vire, não há nada além de céu e planícies, alguns morros (que já estou até começando a achar grandes!) e aquela vastidão de terra que parece não ter fim... Sinto-me perdida, isolada no meio do nada sem aquela parede pétrea escorando a paisagem... Bom, coisa de estrangeiro com saudade, como podem ver... A gente pode ficar cinquenta anos sem visitar a terra natal, mas a saudade nunca diminui e o reencontro é sempre cheio de emoção e carinho... Em fim, vamos ver se em meio à tanta emoção consigo postar a crônica, mas se não conseguir, acho que vocês vão entender, não é mesmo?...
    Bom, e antes de começar a sonhar de novo e perder o rumo, aqui vai a da semana:


    "O reino de Deus está dentro de você, à sua volta, em cada manifestação de vida, em todo tempo e espaço, e não só em prédios, rituais ou imagens. Arranque uma lasca de madeira e Eu estarei lá. Erga uma pedra e Me encontrará. Olhe à sua direita, olhe à sua esquerda: Eu estou ali. Escute longe, escute perto: é a Minha voz que ressoa por todo lugar..."
    Assim estava escrito no velho pergaminho que o experiente pesquisador segurava nas mãos  trémulas, após tê-lo desencavado dentre as pedras de um templo em ruínas, e seus olhos, acostumados às maravilhas e surpresas que as suas descobertas lhe traziam, abriam-se, brilhantes de emoção, enquanto a sua mente e seu coração assimilavam as palavras diante deles, tão claras e simples, tão lógicas, pois se Deus criara mesmo tudo que existía, era obvio que Ele estava em cada criatura, em cada processo, em todos os acontecimentos e manifestações... Como podia ser que já naquela época houvesse alguém que tinha compreendido esta verdade magnífica e escrito sobre ela e, mesmo assim, ainda hoje, as pessoas continuavam tão longe de Deus?, se perguntou, espantado. Por que aquele pergaminho tinha sido enterrado ao invés de revelado?... Por que os homens continuavam com tanto medo da proximidade de Deus?...
    As verdades eternas estão ali, diante de nós, a cada passo, em cada acontecimento. As respostas para as nossas perguntas e dilemas pairam ao nosso redor feito borboletas em volta da luz, e poderíamos pegá-las a qualquer instante; bastaria só um gesto: o de abrir os olhos e o coração para percebê-las, para escutá-las, e a fé para aceitá-las. São nossas e estão ali para que façamos uso delas a fim de melhorar as nossas vidas. Estão nos encontros que temos, nas músicas que escutamos, na arte de quadros e esculturas, nos filmes e seriados que acompanhamos, nos jornais e livros que lemos, nas propagandas às vezes tão enfadonhas, no sermão da igreja, na boca do mendigo, da criança, do camponês; estão nas pessoas, nas estações, aeroportos e esquinas, nos animais, em cada detalhe que semeia nosso dia-a-dia... No entanto, nós continuamos a  procurar, a clamar, a nos desesperar, a praguejar e cobrar de Deus uma intervenção, um milagre, um sinal, sem perceber que Ele já faz tudo isso e que nós não enxergamos simplesmente porque, no fundo, não acreditamos que Ele possa estar tão perto e se mostrar tão simples -banal até!- tão constante e original, acessível, diverso e engenhoso. Mas se deixarmos de lado preconceitos, falsas humildades, culpas e a tão famigerada "seriedade adulta", descobriremos que, por mais fantasioso e ingênuo que pareça, El está bem do nosso lado, mesmo, falando-nos, escutando-nos e interagindo conosco das formas mais inesperadas, e que para cada um de nós tem um plano, um método, um jeitinho especial de nos fazer entender que é nosso pai e que se preocupa conosco porque nos ama... E que sempre encontra meios originais e meigos, através daquilo que conhecemos e com o qual convivemos, de demonstrá-lo.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A miragem da dor

Nestes últimos dias só ando pensando na minha próxima viagem e parece que nada mais tem importância, nem as aulas, nem os ensaios, nem sequer a catástrofe anunciada da próxima apresentação do musical... A minha filha decidiu dar-me este presente maravilhoso para comemorar meu aniversário de 55 anos, então já estou me preparado para as emoções dos reencontros e para o frio, que deve estar de matar no lugar onde estamos indo. Mas andei comprando umas parcas e uns suéters da pesada, meias de lã, gorros, cachecóis e luvas e uma mala extra grande para carregar as roupas grossas e as botas, então o  clima não vai me pegar tão desprevenida... Nossa, é agora que percebo o quanto  desacostumei com o frio de verdade, aquele que fazia em Santiago! Hoje qualquer ventinho um pouco mais gelado e já estou com o traseiro e o nariz congelados!... Ainda bem que estes últimos dias têm sido uma espécie de prévia do que me aguarda por lá, então não ando reclamando muito do clima porque, com certeza, vou enfrentar bien pior por lá... O único problema é que com todas estas compras de última hora as minhas  contas aumentaram mais um pouquinho e, ainda por cima, como já usei as minhas férias, o salário de agosto virá bem diminuido -porém, bendito PIS, que vai compensar um pouco meu desfalque!- então, vou ficar bastante arruinada por um par de meses, o que anda me tirando um pouco o sono, mas se comparo a viagem e tudo que ela significa com aquele monte de carnês dentro da bolsinha de nylon na gaveta da minha escrivaninha acho que consigo encarar com mais tranquilidade -e cara de pau- meus credores. Até porque eles sabem que não sou uma caloteira e que esta viagem foi um "imprevisto" absolutamente irrecusável. Ou é agora, aproveitando as férias da minha filha e as dos alunos da fundação, ou não sei quando terei novamente a chance de fazê-lo. Então... E outra coisa boa: hoje de manhã a minha empregada encontrou o jornal na garagem, o que pode significar -estou torcendo por isso- que meu esposo voltou a assinar a Folha (jornal que publica as minhas crônicas) Ainda bem, porque já estava começando a ficar meio constrangida de entrar na farmácia toda quarta-feira para dar uma olhada no caderno dois!...


   Sei que existem inúmeras miragens e ilusões -a maioria criadas por nós mesmos pelas mais diversas razões- e que às vezes nos deixamos envolver completamente por elas, o que nos faz passar por momentos extremamente difíceis que, com  certeza, não o seriam tanto se percebêssemos que se trata apenas disso: uma ilusão, uma miragem que só piora a situação porque acreditamos nela.Por exemplo: toda vez que nos encontramos imersos na dor, seja ela física ou espiritual, temos a terrível e esmagadora impressão de que  nunca mais conseguiremos sair dela, de que continuaremos a afundar no abismo do abandono e do pessimismo e nada de bom voltará a nos acontecer. Por vezes, as feridas que carregamos ou recebemos são tão profundas e nos provocam angústias tão grandes que morrermos dessangrados nos parece o único fim lógico e inevitável. Nada nos consola, nenhum fio de luz  nos ilumina a escuridão, nenhuma mão nos segura para que não despenquemos no abismo... É então que aprendemos que a dor e o desespero só vão embora quando seu ciclo se completa, e só então. Aprendemos que é preciso passar por ele e chegar ao fundo da experiência para assimilar a lição contida nele para, só depois, nos libertar das sombras e retornar vagarosamente para a luz, para a vida, para o que anda nos aguarda... Regressamos então, porque o instinto de sobrevivência é o mais poderoso que possuímos, e recolhendo os pedaços dilacerados e retorcidos, ainda em carne viva e exauridos, vazios, que restaram da nossa batalha, os vestimos com heróica teimosia e retomamos nosso caminho, continuamos com os nossos planos, amamos, rimos, conversamos, comemos, deitamos e acordamos carregando mais algumas cicatrizes, é verdade, porém cientes do que elas nos ensinaram; seguimos adiante mais fortes e sábios, mais corajosos e compassivos, tendo compreendido que a miragem da dor não passa disto: uma ilusão da qual sempre seremos capazes de ressurgir. E este é mais um dos milagres que nos é dado realizar nesta vida.

sábado, 25 de junho de 2011

Cometedo os mesmos erros

E como ainda tenho hoje e amanhã de folga antes de voltar à lida e encarar meu chefe para dar-lhe a feliz notícia de que -se as coisas não mudarem- estou abandonando a direção do musical, aproveito para sentar aqui e postar a crônica desta semana. Não é que vou ser demitida pela ousadia ou a sinceridade, mas com certeza as coisas não vão ficar mais fáceis para mim depois dessa bomba... Ainda bem que consegui conversar com a dona do projeto e ela concordou plenamente com meus argumentos e prometeu achar uma saída, mas até então... Haja glicemia e gastrite!
Bom, mas não vou estragar os dois dias que ainda me restam com esse tipo de pensamento -apesar de serem bem difíceis porque conheço meu chefe- então vou sentar aqui, respirar fundo e me concentrar nas palavras, que são meu melhor remédio. De qualquer jeito, e não importa o que aconteça, a minha decisão já está tomada, então... Acho que a coisa vai ser segurar as conseqüências, que podem não ser nada agradáveis. Mas prefiro agüentar isso à sacrificar o musical, a minha saúde e a minha reputação, não é o mais sensato?...
E aqui vai a desta semana!... E a propósito, estava vendo que preciso me organizar, me disciplinar e aproveitar o tempo para redigir material novo porque os textos antigos estão acabando, mas acho que a viagem que vem aí vai ser extremamente inspiradora e, é claro, não vão faltar um caderno e uma caneta na minha mala! Talvez até consiga postar uma ou duas crônicas de lá!...

    Sinceramente, queria que entendêssemos -ou que aprendêssemos a entender- melhor as falas de Deus, porque às vezes o fato de não conseguirmos interpretá-las ou de traduzi-las erróneamente nos causa umas dores de cabeça e uma confusões tremendas. Queria que tivêssemos a calma e a sabedoria suficiente para decifrá-las corretamente e assim parar de meter os pés pelas mãos com tanta freqüência. Queria que guiássemos confiadamente as nossas ações segundo a sua vontade, queria  que não praguejássemos nas provações e não nos envaidecêssemos nas folgas e vitórias. Queria que fôssemos mais fiéis, mais atentos, mais seguros. Queria que estivêssemos menos preocupados conosco mesmos, menos poluídos pelo preconceito e a vaidade, pela inveja e a ambição. Queria muito que apagássemos todas as nossas mágoas e  esse medo  que embaçam a nossa visão e endurecem o nosso coração e que os trocássemos pela compaixão, a paciência e a tolerância. Queria que banissemos da nossa alma o pessimismo e a covardia, a auto-compaixão e a preguiça, porque às vezes elas pesam tanto que não conseguimos nos mexer e podemos acabar ficando estagnados e nos tronar inúteis, frustrados, fracassados... Às vezes agimos pensando que entendemos a mensagem. O esforço -muitas vezes contra todas as aparências e possibilidades é desgastante, mas no fim tudo dá certo... por um tempo. Aí, de repente, o chão desaparece sob os nossos pés e  nos encontramos novamente na estaca zero, perguntando-nos o que foi que fizemos de errado... Será que ainda não aprendemos a ser pacientes  nem a confiar no amor de Deus? Será que sempre vamos tentar maquiar a nossa vontade com as mensagens dele? Será que vamos continuar assim teimosos por muito tempo ainda? Será que a nossa vaidade continuará a comandar as nossas ações, murmurando em nossos ouvidos que as nossas intenções são nobres e vêm do amor?... Será que não vamos nos cansar jamais desta motanha russa de sucessos efêmeros e quedas abissais devidas à nossa falta de humildade e paciência?... Um dia pensamos que tudo está indo às mil maravilhas, do jeitinho que planejamos, porém, de repente, sem um aviso, tudo se desmorona diante de nós, pois estávamos redondamente enganados -e acho que no fundo, nós sabíamos disto- e ficamos vazios, perdidos, furiosos e frustrados, sabendo que agora vem aquela parte que tanto detestamos e tememos: o tempo da agonia e o desencanto, da morte, da decepção, das cobranças, do recomeço. O encantamento pela miragem foi, mais uma vez, maior do que o bom senso e acabamos abraçando o ar, construindo castelos e expectativas em cima do nada e, pior, acreditando neles!...
     Mas quando será que vamos parar de cometer os mesmos erros? Sei que aprender não é fácil, mas não precisamos ficar batendo a cara na parede o tempo todo!...

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Nosso lugar e nosso tempo

Atrasadéssima de novo por conta do meu trabalho e seus horários malucos, porém aliviada porque consegui resolver este último imbróglio do musical sem muitos arranhões nem dores de estômago, o que significa que vou poder agir de acordo com o que penso sem que isto tenha algum tipo -espero- de consequência catastrófica para a minha parte profissional. Não se trata de ser teimoso, faltar com o respeito o desafiar a autoridade por puro comodismo ou deslealdade, mas de ser realista e sincera com respeito a algumas coisas que sabemos que não vão funcionar do jeito que nos estão sendo pedidas, pois a nossa experiência de 25 anos está disparando um alarme impossível de ignorar. Nunca me neguei a realizar nada do que me foi proposto, porque sabia que era capaz de dar conta do recado, porém, neste caso, estou absolutamente certa de que não será assim, então, para que arriscar o resultado final e a minha própria saúde e reputação num projeto fadado ao fracasso?... Eu sempre estou bem disposta para os constantes desafios da minha profissão, mas acho estupidez se jogar numa roubada só para manter este comportamento. E acho que toda esta trapalhada que aconteceu com o espetáculo serviu para me ajudar a ver isto e para aprender a agir de acordo com a minha intuição profissional sem medo, porque não é à toa que a tenho, não é mesmo?...Ela me dá direitos indiscutíveis e um poder de decisão e escolha que se baseiam não em conveniência pessoal, mas numa procura constante pela melhora da produção. E isto não pode ser ignorado nem desrespeitado.
    E vamos deixar de papo profissional, que já me tem pelas pontas dos chifres, e passar para algo bem mais agradável, que é a crônica atrasada e estos quatro maravilhosos dias de folga que me aguardam... Tem coisa melhor?


  Será que posso afirmar que sei bem onde estou? Que estou indo na direção certa? Que estou fazendo a coisa certa com os dons que me foram dados? Estou sendo capaz de entender tudo que está sendo me ensinado?... O que é esta imensidão que sinto tomar conta de mim? Às vezes tenho esta impressão de ser todas as sensações, percepções, ligações, processos de compreensão e assimilação; pareço estar num constante e profundo aprendizado que me leva a cenários, encontros e descobertas, à opções que nunca esperei ter diante de mim, mas que são, ao que tudo indica, justamente o que preciso para crescer e fazer meu trabalho. Chamo isto de "providência divina", ou então de "Deus de olho em mim", e também de "o Divino e seus métodos personalizados"... Sempre surpreendendo, sempre  diferentes, sempre criativos.
    Me lembro de quando falava para os meus alunos: "Vocês não têm de imitar o vento, mas se tornarem o vento, serem o vento com cada célula da sua mente e do seu corpo"... E eles ficavam me olhando com aquela cara de espanto, pois parecia algo tão subjetivo e inatingível, tão fantasioso e até ingênuo, tão "exercício de primeiro ano de teatro"!... Mas tenho que confessar que até para mim era difícil tentar explicar ou desenvolver de um jeito didático o processo que os levaria não a imitar, mas a se fusionar com o vento, a ser verdadeiramente o vento através da observação e identificação, pois nenhum deles estava acostumado a este tipo de comportamento. Afinal, jovens não costumam parar a sua correria rumo ao futuro para contemplar uma folha caindo de uma árvore, pois acham que esta experiência de nada vai lhes servir... Mas hoje, através da minha própria vivência, percebo quão verdadeiro -e possível- é este conceito, quão útil e revelador, porque graças a todas as paradas que fiz, me tornei capaz de sentir, de enxergar, de escutar e entender, de ser o vento (ou qualquer outro fenômeno). Eu compreendo o vento, pois entendi que ele faz parte de mim, assim como tudo que me rodeia, então não preciso imitá-lo. Na verdade, todos nós formamos parte indivisível do emaranhado fascinante e infinitamente diverso que é a criação, então não deveríamos ter tanta dificuldade para entender os acontecimentos, as personagens, os fenômenos que nos rodeiam, nem para expressá-los ou entender a sua linguagem. Se desenvolvermos a consciência de que somos parte de uma mesma manifestação poderemos compreender todas as coisas que acontecem nela de uma forma tão natural e profunda que será até difícil de acreditar. Todos temos nosso lugar no tempo e no espaço, agora, antes e depois, e estamos de certa forma diluídos na eternidade da história feito peixes num oceano no qual podemos nadar sem dificuldades rumo à eternidade.