sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

"A santinha"

    Um natal precioso junto da família... Poderia querer mais? Talvez que meu filho mais novo estivesse com a gente, porém, gracas à minha irma recebi o melhor presente de todos: da sua casa pude ligar para ele no Brasil e escutar-lhe a voz... Ai, coracao de mae, que nao morre de emocao só porque tem a forca de um tita!... Porém, fora esta tristeza, todo o resto foi simplesmente perfeito, tal como tinha imaginado e mais um pouco. Família, amigos, ceia, risadas, lembrancas, a arvorezinha reinando, iluminada, cheia de pacotes misteriosos e todo mundo aguardando meia-noite para abri-los... Me senti menina, mae, irma, tia, amiga, tudo ao mesmo tempo, feito uma sinfonia de emocoes que nunca pensei voltar a sentir. Nao desse jeito. Nao junto destas pessoas amadas.
    Sim, com certeza posso dizer que o menino Jesús me trouxe o presente que pedi: a felicidade.
    E como estava tao feliz, acabei esquecendo de postar a crônica da semana passada, entao, antes que me empolgue de novo e a felicidade me deixe literariamente incapacitada, aqui vai a desta semana. Em todo caso, acho que é melhor nao escrever por estar demasiado feliz do que nao fazê-lo por estar demasiado triste, nao é mesmo?


    Sem lugar a dúvidas, esta é uma santinha muito milagrosa. Basta ver o altar onde um quadro seu está entronizado, na nave esquerda da igreja centenária: está sempre lotado de flores -especialmente rosas- de todos os tipos e cores, em primorosos e caros arranjos dentro de cestinhas ou vasos, em ramalhetes embrulhados em celofane ou em modestos duos ou trios, ou até uma só, amarrada com uma fita. Tem também aqueles de flores artificiais, que querem durar tanto quanto a gratidao do devoto, mas a maioria sao naturais e murcham ao cabo de alguns dias, lembrando-nos a humanidade frágil e efêmera que vem pedir seus favores. Como sao tantas -e para que a santinha nao se confunda nem se sinta sobrecarregada- tem duas pessoas encarregadas de ir trocando-as durante a semana, para que assim todos tenham oportunidade de expressar a sua gratidao. Nos bancos colocados diante do altar sempre tem gente sentada ou ajoelhada, expressao concentrada, fervorosa, olhando para o rosto etéreo no quadro com fe e adoracao absolutas e desavergonhadas. Olhar de intimidade, de esperanca, de sinceridade. Sao feito criancas ao redor de uma mae que tudo compreende e que por todos se sacrifica e intercede. Mae poderosa esta, que quase se afoga nas pétalas da gratidao dos seus filhos porque sempre lhes alcanca o milagre, a cura, o trabalho, o empréstimo, a carreira, a casa... Nao tem uma missa durante a qual eu nao tenha visto pelo menos dez ou quinze pessoas entrar, se aproximar do altar -com bicicletas, sacolas, carrinhos de feira, criancas e até cachorros- e depositar uma flor ali junto com um agradecimento ou algum pedido, cheios de uma emocao que realmente impressiona. O sermao do padre pode ser o mais inspirado do mundo, mas eu nao consigo deixar de olhar para esta pequena e constante procissao que transita modestamente pela nave esquerda... Desde meu lugar (porque sempre tento sentar perto do altar, onde possa vê-la) sorrio, comovida, e fico a contemplar a religiosa angelicalmente retratada, que parece estar prestes a sair dali num êxtase interminável de feliciade e paz. Entao a imagino em sua época: uma mulher simples, obediente, fervorosa, que nao desejava outra coisa a nao ser enclausurar-se num mosteiro para louvar e servir ao seu Deus, para sacrificar-se pelos que tinham extraviado o caminho. Ela nao queria ser santa, nunca sonhou com um altar, um quadro, uma relíquia ou um exército de devotos. Nao era ninguém, somente uma boa  mulher, uma religiosa velha e humilde, que passou seus últiimos anos desterrada numa cela afastada do convento por causa do que parecia ser algum tipo de doenca repugnante e que no fim revelou-se um sinal divino. Uma pessoa que, na sua insignificância histórica (naquela época) fazia o bem ao seu redor, até onde lhe era possível, sem maiores ambicoes, sem jamais desconfiar que hoje tería um altar cheio de flores e de fiéis agradecidos. Nao, definitivamente, a possibilidade da ser famosa nao era o que motivava as suas acoes, mas a consciência clara do que era correto, misericordioso, justo... E eu me pergunto: será que nós poderíamos fazer a mesma coisa? Será que precisamos da publicidade, dos elogios, as homenagens, os seguidores o reconhecimento para agir corretamente? Fazer o bem pelo bem já nao é o bastante? E por que pretender abranger e converter o mundo todo? Por que viver esperando por um grande sinal para comecar a fazer o bem? E por quê, se nao é grande, parece que nem vale a pena comecar?... Mas é com um grao de areia que se comeca um arranha-céu! Esta santinha nao quis conquistar o mundo, senao, simplesmente, fazer a sua parte, agir com compaixao, sinceridade e justica ali em seu conventinho, entre as suas irmas. Aquele era o entorno que tinha para fazer o bem. E nós? O que fazemos em nosso entorno? Ou vivemos aguardando algum evento sobrenatural que seja fiador e motor das nossas boas acoes?... Nao, o mundo nao é nosso palco, apenas um pedacinho dele, mas se todos decidimos fazer o bem naquele que nos toca, talvez possamos comecar a viver o paraíso aqui mesmo.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"Neblina"

    "Outro dia no paraiso", como se diz por aí, e se continua lutando, acreditando, apostando, caminhando de encontro às aventuras e seus desafios, que parecem nao ter fim. Uns sao mais fáceis, outros mais difíceis, mas todos têm de ser encarados e vivenciados da melhor forma possível. É verdade que nem sempre saímos vitoriosos, mas é preferível isto a dizer que nunca tentamos... Ultimamente tenho tido que reunir coragem para abrir algumas portas e enfrentar novas situacoes muito antes do que esperava, mas o esforco está valendo a pena porque está me ensinando de novo a liberdade, a independência, a iniciativa e o prazer de uma nova solidao, desta vez entre meus compatriotas ao invés de num país estranho, o que a torna uma experiência totalmente nova e emocionante pois, apesar de ter referências pouco agradáveis sobre mudancas e entrosamento em ambientes novos, desta vez nao está sendo um processo assustador, mas uma experiência sorpreendente e reveladora, que a cada dia me confirma que fiz o certo e que, finalmente, estou em casa, desta ez para sempre.
    E com este astral cheio de otimismo e esta coragem que há muito nao sentia, aqui vai a crônica desta semana, antes que o mundo acabe!


    Tem dias que comecam estranhos, cinzentos e frios, nos quais parece que nao somos nós mesmos  e nos vemos repentina e insistentemente assaltados por pressentimentos sombrios ou inquietantes, desconcertantes, que nos desestabilizam e nos tiram a vontade de sair de casa e enfrentar o mundo lá fora. Sao dias em que acordamos como que movendo-nos numa espécie de neblina que nos deixa a impressao de que, na verdade, continuamos dormindo...
    Lembro que isto me acontecia na adolescência, nos dias de inverno quando, para chegar na escola, tinha de atravessar um enorme terreno vazio e ele se encontrava totalmente tomado pela neblina da manha. Lembro que ia adentrando nela devagar, enquanto toda a paisagem à minha volta ia sumindo a cada passo, como que engolido por aquela névoa branca e movedica. Eu também via a mim mesma desaparecer, e perdia a nocao de direcao, de tempo, de espaco, de realidade... Era algo realmente surreal... Às vezes vislumbrava ao longe algumas silhuetas -as de outros alunos que também se dirigiam à escola- que me pareciam fantasmas flutuando no meio daquela neblina fria que se mexia feito algo vivo à minha passagem. Quando alcancava o meio do terreno baldio, parava, respirando fundo, e girava sobre mim mesma, com os olhos escancarados e piscando sem parar, mas nao dava para distinguir absolutamente nada. Era tao somente eu no centro daquele oceano branco... Era nesse instante que eu comecava a me perguntar se me encontrava realmente ali ou se continuava dormindo em minha cama e isto nao passava de um sonho desagradável. Tinha receio de continuar avancando porque algo terrível e inesperado poderia surgir desse nada, mas também tinha medo de ficar parada ali, pois tinha a certeza de que seria engolida e desapareceria para sempre dentro daquela panca gasosa.
    Entao, de repente, o sino do colégio comecava a tocar: som vibrante, imperioso, quase celestial, que atravessava feito uma lanca a neblina paralisante e me arrancava do seu feitico. Era o som da realidade chegando até mim, da rotina, da ordem, da lógica... Meus pés tornavam a sentir o chao e, percebendo-o firme, tornava a caminhar, sabendo agora qual direcao seguir, procurando o contorno conhecido da grade e os pavilhoes do colégio, as vozes dos meus colegas, o cheiro do leite com chocolate da merenda, o cumprimento dos professores. O sino  chamava e aos poucos o mundo entrava novamente em seus eixos, o dia retornava à normalidade e tudo acontecia como tinha de ser.
    Quando finalmente atingia os degraus da entrada, me escapava um sorriso de alívio e gratidao, pois agora tinha certeza de que tudo acabaria bem. A travessia tinha chego ao fim.
     Hoje, quando abro os olhos e percebo que é um daqueles dias estranhos nos quais o medo, as dúvidas e a inseguranca comecam a rodear-me feito aquela névoa no campo vazio, respiro fundo e me endireito, procurando imediatamente o som do sino, a chamada firme e clara que me manterá com os pés no chao e a mente focada na realidade, que me porá diante dos pavilhoes da vida, dos quais nao há por que ter medo pois, como na minha época de estudante, sei que ali estao as respostas, as licoes, as descobertas, os mestres, os amigos e os inimigos, as alegrias e as tristezas, os fracasoss e os triunfos que serao a base do nossos futuro. A vida nao tem neblinas nem campos vazios que podem nos fazer acreditar que sonhamos. A vida tem certezas que podemos escolher ou nao, histórias que podemos viver ou nao, encontros que podemos ter ou nao. Os campos vazios e a névoa somos nós mesmos quem os criamos, porém, se procuramos um sino que nos chame em direcao dos contornos daquilo que é verdadeiramente real e importante, com certeza nao permaneceremos muito tempo ali.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

"Oportunidades"

    Hoje estou sozinha em nosso apartamento porque a minha filha foi passar o fim de semana fora com seu namorado, entao aproveitei para sair e fazer as últimas compras para o natal, me dar um pequeno banho de loja, incluindo manicure, botar a música que adoro e sentar aqui para escrever. Entre hoje e amanha quero botar em dia todos meus escritos, que têm estado bem abandonados por conta da nossa maratona de compras natalinas antes que, simplesmente, nao possa mais se entrar nas lojas... Bom, nao que o resto do tempo a quantidade de gente diminua, mas pelo menos os vendedores nao estao completamente fora de si  nem os produtos somem antes que a gente decida comprá-los. Foi desse jeito que perdi um precioso jogo de bolas prateadas para a árvore de natal... Virei para dar uma olhada em alguns pisca-pisca que tinha num outro balcao e quando voltei, as minhas bolas tinham sumido! Entao decidi agarrar e carregar tudo que tinha gostado, pois de outro jeito acabaria perdendo o resto das coisas também. Coitado do vendedor, quando me viu chegar com aquele monte de bolas, luzinhas, anjos, guirlandas, presépios e estrelas achou que acabara de fazer a venda do ano! Vocês deviam ver a cara do homem quando botei somente  menos da metade das coisas no balcao do caixa... Bom, é a lei da selva, tinha que proteger o que tinha gostado para depois poder escolher com calma. Mas tenho certeza de que aquele vendedor tirará uma boa comissao, porque esta loja vive completamente lotada, entao nao me sinto culpada por nao ter levado tudo. Fora isso, o nosso apartamento é tao pequeno que se botarmos mais alguma coisa nós é que vamos ter de sair. Criamos o nosso "cantinho natalino" na mesinha de arrimo com umas velas prateadas, uma pequena árvore -que traz as luzinhas incluidas- e umas folhas brilhantes que misturamos com as flores naturais do vaso. O lustre teve de ir para cima de um banquinho, mas ficou muito bonito. Também penduramos um enfeite com umas pombas prateadas e um sininho no trilho da cortina, entao, quando bate um vento, escutamos seu som alegre e suave... É claro que nao podemos fechar a cortina, mas isso nao nos incomoda, já que adoramos que a luz entre pela janela.
    Bom, e deixando de lado tanto detalhe sobre a nossa decoracao de natal, é melhor comecar a postar esta crônica, já que é bem longa e quero fazê-lo antes da janta porque depois de comer fico totalmente inutilizada. Em todo caso, espero que a desfrutem. Tomem-se um descanso entre as compras e o trabalho e leiam.


    Estou convencida de que já me conhecem. Quase toda tarde apareco no chafariz da igreja com a minha sacola de pao velho e me instalo ali, frente à porta majestosa, à sombra da água que refresca o ar. Se olhar em volta nao vejo muitas delas, mas pressinto que estao por ali, à espreita, fazendo de conta que nao estao interessadas, mas sei que basta atirar o primeiro punhado de migalhas para vê-las lancar-se no ar em graciosas revoadas e, planando, vir aterrisar aos meus pés, emergindo nao se sabe de onde, arrulhando e abrindo as asas,  estufando o peito e dando uma de donas do pedaco... E quase que de imediato, como uma espécie de efeito colateral, aterrisam os pardais, também nao sei de onde, e se enfiam ousadamente entre o enxame que se agita para pegar a sua parte do banquete... As pombas lhes dao uma olhada meio de soslaio, um pouco espantadas diante da sua insolência, e após algumas ameacas e curtas perseguicoes, parecem cansar-se da sua saltitante rapidez e os deixam roubar a sua parte, já que é mínima. Talvez percebam que, dado seu tamanho, o pao vai dar para todos.
    Aos poucos, algumas pombas mais ousadas vêm rodeando, rodeando, vao e vêm, me observam furtivamente, meio de lado, e vêm se aproximando com cautela, prontas  para fugir ao menor sinal de peligro, até que, mais confiadas, acabam passeando entre meus sapatos para comer as migalhas que caem ali. Estas nao têm medo do barulho nem do esvoacar da sacola plástica em que trago o pao, nem dos carros que saem do hotel, as criancas que passam e gritam, empolgados ao ver tanto pássaro junto e, inevitavelmente, correm atrás deles. Inclusive, desprezam olimpicamente os turistas que param para tirar fotos e os operários que arrumam a calcada... Sei que os bons frades as escorracam a vassouradas para que nao sujem os telhados e os muros do convento, nem as esculturas históricas, e elas fazem como que vao embora, se escondem nas árvores e telhados vizinhos e sempre acabam voltando, sobretudo se tem alguém feito eu, que as atenta com saborosas migalhas de pao sovado, baguete e pao de forma... Estou convencida de que os franciscanos, apesar do seu amor pelos animais, devem me odiar.
    No entanto, apesar de toda a propaganda adversa que recebem (infeccoes, piolhos, sujeira e penas) as pombas, como quase todas as criaturas que nos rodeiam e compartilham este planeta conosco, têm algumas licoes para nos ensinar, se prestamos um pouco de atencao.
    Eu já tinha notado que existe uma grande quantidade de pombas mutiladas por causa dos fios de alta tensao, os ares acondicionados e as antenas -fora, é claro, os idiotas que se dedicam a acertá-las com qualquer coisa- Muitas delas perderam uma pata, ou os dedos, ou as têm quebradas e atrofiadas, inclusive tenho visto sabiás e bem-te-vi que sofreram o mesmo injusto destino, porém isto nao parece abalar a sua intimidade com o ser humano e continúam aproximando-se dele e seus restos de comida... Assim, uma tarde veio aterrisar junto do chafariz uma pomba marrom, de olhinhos brilhantes e umas engracadas penas brancas ouricadas no cocuruto. Primeiro nao entendi por quê, ao chegar ao chao, o fez tan desengoncadamente, meio que de lado, meio que de ponta, quase enfiando o bico na calcada. Inclusive algumas das outras pombas levaram um baita susto diante daquela estapafúrdia aterrisagem. A ave pareceu ficar meio atordoada e permaneceu alguns instantes deitada no chao, olhando para lá e para cá, como que tentando se localizar. Simpatizando imediatamente com ela, lhe joguei um punhado de migalhas para tentá-la, mas ela nao se mexeu e as outras, imediatamente, se lancaram avidamente para roubar-lhe a comida... Desconcertada, aguardei seu próximo movimento. Entao, tomando fôlego, endireitou-se com muita dificuldade. E aí vi. Apoiava-se tao só sobre dois cotos retorcidos. Nao tinha patas. Eu segurei uma exclamacao, horrorizada. A pomba avancou um pouco, cambaleando sobre os cotos, em direcao das migalhas, mas as outras tinham-nas devorado e nao restara mais nada. Repeti a acao mais um par de vezes e aconteceu a mesma coisa. A pomba inválida nao tinha nenhuma chance. Nunca teria. A coitada olhava ansiosamente para a minha mao e acompanhava o movimento quando eu jogava o pao, mas a sua deficiência a impedia de chegar em tempo para brigar por algum pedaco.
    Entao, pensando que talvez a sua limitacao  pudesse tê-la feito diferente de alguma forma que nao fosse desvantajosa, tive a idéia de me acocorar bem devagar e estender em sua direcao a minha mao aberta, cheia de migalhas, suavemente... As outras pombas se agitaram de imediato, desconcertadas com a minha movimentacao, e comecaram com umas corridas e revoadas desordenadas, como se nao soubessem de que jeito reagir à minha ousadia. Mas eu tinha certeza de que nenhuma delas teria a coragem de se aproximar e comer da minha mao.
    Totalmente  abstraida do mundo, fui me aproximando à pomba inválida que, absolutamente imóvel, me contemplava fixamente, como perguntando-se quais seriam as minhas intencoes. Mas nao parecia querer fugir. A minha mao estava a apenas alguns centímetros dela quando seus olhinhos desviaram-se de mim e foram pousar nas migalhas brancas e macias diante dela. Pareceu considerar o assunto muito seriamente durante alguns momentos... Eu aguardava, segurando o fôlego, feito uma estátua... Até que, finalmente, fiz um movimento muito, muito suave e botei a mao bem debaixo do seu bico. A pomba me deu um último olhar, como se me perguntasse: "Posso mesmo pegar? Você nao vai me machucar?"... E acredito que, diante do meu silêncio e a minha completa imobilidade, decidiu aceitar a oportunidade, que poderia ser mortal, considerando a sua deformidade.... Piscou mais uma vez e, finalmente, esticou o pescoco e comecou a comer, ainda meio nervosa.
    Enquanto isso, as outras pombas continuavam em total alvoroco, correndo pra cá e pra lá, ameacando aproximar-se, arrulhando desafiadoramente e estufando o peito, mas no fim das contas nao tiveram a coragem de vir e quem acabou tendo um banquete foi a pomba inválida, pois aproveitando sábia e arriscadamente a chance que lhe era oferecida, ganhou mais do que as demais que, apesar da fome e das fanfarronadas, nao ousaram se aproximar, mesmo vendo que nada acontecia com a outra.
    E contemplando esta pomba marrom com seu cocuruto branco e despeinteado e seus tristes cotos retorcidos, me perguntei quantas vezes nós, os humanos, à despeito das nossas limitacoes, temos a coragem, a sabedoria ou a fé para aceitar e abracar as oportunidades que nos oferecem ou aparecem diante de nós, e quantas deixamos passar por ignorância, medo, teimosia, orgulho, po rnao acreditar em nós mesmos nem nos outros... Mas precisamos lembrar que as oportunidades sao únicas, singulares em seu momento, que nos trazem algo que necessitamos nesse exato momento e que, se nao as aproveitamos, nao voltarao a aparecer. Pelo menos nao da mesma forma nem com os mesmos resultados.