sábado, 9 de julho de 2011

Nosso pai

Bom, esta será a última crônica que postarei antes da minha viagem (parto na sexta, dia 15, ao meio-dia) mas se puder, vou tentar postar a da próxima semana lá do Chile. Não sei se vou conseguir, mas não será por falta de um computador (Afinal, onde NÃO tem um?) mas por conta das emoções pelas quais estarei passando e que, talvez, me roubem um pouco de concentração e inspiração... Nossa, nem estou conseguindo dormir direito de tanta ansiedade! Faz quase quinze anos que não visito meu país e estou expectante para ver como está, se tudo aquilo que conheci ainda está lá ou se mudou por completo, e devo confessar que esta perspectiva é meio assustadora porque não quero me sentir uma turista em minha pátria. Deve ser uma sensação bem pouco agradável... Mas vai ser sensacional escutar meu idioma, comer aqueles pratos típicos -que nunca consegui reproduzir direito acá- caminhar pelas ruas de Santiago, levantar de manhã -e não congelar, espero!- olhar pela janela e ver a cordilheira, branca  majestosa... Nossa, como tenho saudade daquela massa lilás e azul, de cumbres sempre nevadas! Era a minha referência, o cartão de visita do meu país. Já aqui, não importa para onde me vire, não há nada além de céu e planícies, alguns morros (que já estou até começando a achar grandes!) e aquela vastidão de terra que parece não ter fim... Sinto-me perdida, isolada no meio do nada sem aquela parede pétrea escorando a paisagem... Bom, coisa de estrangeiro com saudade, como podem ver... A gente pode ficar cinquenta anos sem visitar a terra natal, mas a saudade nunca diminui e o reencontro é sempre cheio de emoção e carinho... Em fim, vamos ver se em meio à tanta emoção consigo postar a crônica, mas se não conseguir, acho que vocês vão entender, não é mesmo?...
    Bom, e antes de começar a sonhar de novo e perder o rumo, aqui vai a da semana:


    "O reino de Deus está dentro de você, à sua volta, em cada manifestação de vida, em todo tempo e espaço, e não só em prédios, rituais ou imagens. Arranque uma lasca de madeira e Eu estarei lá. Erga uma pedra e Me encontrará. Olhe à sua direita, olhe à sua esquerda: Eu estou ali. Escute longe, escute perto: é a Minha voz que ressoa por todo lugar..."
    Assim estava escrito no velho pergaminho que o experiente pesquisador segurava nas mãos  trémulas, após tê-lo desencavado dentre as pedras de um templo em ruínas, e seus olhos, acostumados às maravilhas e surpresas que as suas descobertas lhe traziam, abriam-se, brilhantes de emoção, enquanto a sua mente e seu coração assimilavam as palavras diante deles, tão claras e simples, tão lógicas, pois se Deus criara mesmo tudo que existía, era obvio que Ele estava em cada criatura, em cada processo, em todos os acontecimentos e manifestações... Como podia ser que já naquela época houvesse alguém que tinha compreendido esta verdade magnífica e escrito sobre ela e, mesmo assim, ainda hoje, as pessoas continuavam tão longe de Deus?, se perguntou, espantado. Por que aquele pergaminho tinha sido enterrado ao invés de revelado?... Por que os homens continuavam com tanto medo da proximidade de Deus?...
    As verdades eternas estão ali, diante de nós, a cada passo, em cada acontecimento. As respostas para as nossas perguntas e dilemas pairam ao nosso redor feito borboletas em volta da luz, e poderíamos pegá-las a qualquer instante; bastaria só um gesto: o de abrir os olhos e o coração para percebê-las, para escutá-las, e a fé para aceitá-las. São nossas e estão ali para que façamos uso delas a fim de melhorar as nossas vidas. Estão nos encontros que temos, nas músicas que escutamos, na arte de quadros e esculturas, nos filmes e seriados que acompanhamos, nos jornais e livros que lemos, nas propagandas às vezes tão enfadonhas, no sermão da igreja, na boca do mendigo, da criança, do camponês; estão nas pessoas, nas estações, aeroportos e esquinas, nos animais, em cada detalhe que semeia nosso dia-a-dia... No entanto, nós continuamos a  procurar, a clamar, a nos desesperar, a praguejar e cobrar de Deus uma intervenção, um milagre, um sinal, sem perceber que Ele já faz tudo isso e que nós não enxergamos simplesmente porque, no fundo, não acreditamos que Ele possa estar tão perto e se mostrar tão simples -banal até!- tão constante e original, acessível, diverso e engenhoso. Mas se deixarmos de lado preconceitos, falsas humildades, culpas e a tão famigerada "seriedade adulta", descobriremos que, por mais fantasioso e ingênuo que pareça, El está bem do nosso lado, mesmo, falando-nos, escutando-nos e interagindo conosco das formas mais inesperadas, e que para cada um de nós tem um plano, um método, um jeitinho especial de nos fazer entender que é nosso pai e que se preocupa conosco porque nos ama... E que sempre encontra meios originais e meigos, através daquilo que conhecemos e com o qual convivemos, de demonstrá-lo.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A miragem da dor

Nestes últimos dias só ando pensando na minha próxima viagem e parece que nada mais tem importância, nem as aulas, nem os ensaios, nem sequer a catástrofe anunciada da próxima apresentação do musical... A minha filha decidiu dar-me este presente maravilhoso para comemorar meu aniversário de 55 anos, então já estou me preparado para as emoções dos reencontros e para o frio, que deve estar de matar no lugar onde estamos indo. Mas andei comprando umas parcas e uns suéters da pesada, meias de lã, gorros, cachecóis e luvas e uma mala extra grande para carregar as roupas grossas e as botas, então o  clima não vai me pegar tão desprevenida... Nossa, é agora que percebo o quanto  desacostumei com o frio de verdade, aquele que fazia em Santiago! Hoje qualquer ventinho um pouco mais gelado e já estou com o traseiro e o nariz congelados!... Ainda bem que estes últimos dias têm sido uma espécie de prévia do que me aguarda por lá, então não ando reclamando muito do clima porque, com certeza, vou enfrentar bien pior por lá... O único problema é que com todas estas compras de última hora as minhas  contas aumentaram mais um pouquinho e, ainda por cima, como já usei as minhas férias, o salário de agosto virá bem diminuido -porém, bendito PIS, que vai compensar um pouco meu desfalque!- então, vou ficar bastante arruinada por um par de meses, o que anda me tirando um pouco o sono, mas se comparo a viagem e tudo que ela significa com aquele monte de carnês dentro da bolsinha de nylon na gaveta da minha escrivaninha acho que consigo encarar com mais tranquilidade -e cara de pau- meus credores. Até porque eles sabem que não sou uma caloteira e que esta viagem foi um "imprevisto" absolutamente irrecusável. Ou é agora, aproveitando as férias da minha filha e as dos alunos da fundação, ou não sei quando terei novamente a chance de fazê-lo. Então... E outra coisa boa: hoje de manhã a minha empregada encontrou o jornal na garagem, o que pode significar -estou torcendo por isso- que meu esposo voltou a assinar a Folha (jornal que publica as minhas crônicas) Ainda bem, porque já estava começando a ficar meio constrangida de entrar na farmácia toda quarta-feira para dar uma olhada no caderno dois!...


   Sei que existem inúmeras miragens e ilusões -a maioria criadas por nós mesmos pelas mais diversas razões- e que às vezes nos deixamos envolver completamente por elas, o que nos faz passar por momentos extremamente difíceis que, com  certeza, não o seriam tanto se percebêssemos que se trata apenas disso: uma ilusão, uma miragem que só piora a situação porque acreditamos nela.Por exemplo: toda vez que nos encontramos imersos na dor, seja ela física ou espiritual, temos a terrível e esmagadora impressão de que  nunca mais conseguiremos sair dela, de que continuaremos a afundar no abismo do abandono e do pessimismo e nada de bom voltará a nos acontecer. Por vezes, as feridas que carregamos ou recebemos são tão profundas e nos provocam angústias tão grandes que morrermos dessangrados nos parece o único fim lógico e inevitável. Nada nos consola, nenhum fio de luz  nos ilumina a escuridão, nenhuma mão nos segura para que não despenquemos no abismo... É então que aprendemos que a dor e o desespero só vão embora quando seu ciclo se completa, e só então. Aprendemos que é preciso passar por ele e chegar ao fundo da experiência para assimilar a lição contida nele para, só depois, nos libertar das sombras e retornar vagarosamente para a luz, para a vida, para o que anda nos aguarda... Regressamos então, porque o instinto de sobrevivência é o mais poderoso que possuímos, e recolhendo os pedaços dilacerados e retorcidos, ainda em carne viva e exauridos, vazios, que restaram da nossa batalha, os vestimos com heróica teimosia e retomamos nosso caminho, continuamos com os nossos planos, amamos, rimos, conversamos, comemos, deitamos e acordamos carregando mais algumas cicatrizes, é verdade, porém cientes do que elas nos ensinaram; seguimos adiante mais fortes e sábios, mais corajosos e compassivos, tendo compreendido que a miragem da dor não passa disto: uma ilusão da qual sempre seremos capazes de ressurgir. E este é mais um dos milagres que nos é dado realizar nesta vida.