sexta-feira, 1 de julho de 2011

A miragem da dor

Nestes últimos dias só ando pensando na minha próxima viagem e parece que nada mais tem importância, nem as aulas, nem os ensaios, nem sequer a catástrofe anunciada da próxima apresentação do musical... A minha filha decidiu dar-me este presente maravilhoso para comemorar meu aniversário de 55 anos, então já estou me preparado para as emoções dos reencontros e para o frio, que deve estar de matar no lugar onde estamos indo. Mas andei comprando umas parcas e uns suéters da pesada, meias de lã, gorros, cachecóis e luvas e uma mala extra grande para carregar as roupas grossas e as botas, então o  clima não vai me pegar tão desprevenida... Nossa, é agora que percebo o quanto  desacostumei com o frio de verdade, aquele que fazia em Santiago! Hoje qualquer ventinho um pouco mais gelado e já estou com o traseiro e o nariz congelados!... Ainda bem que estes últimos dias têm sido uma espécie de prévia do que me aguarda por lá, então não ando reclamando muito do clima porque, com certeza, vou enfrentar bien pior por lá... O único problema é que com todas estas compras de última hora as minhas  contas aumentaram mais um pouquinho e, ainda por cima, como já usei as minhas férias, o salário de agosto virá bem diminuido -porém, bendito PIS, que vai compensar um pouco meu desfalque!- então, vou ficar bastante arruinada por um par de meses, o que anda me tirando um pouco o sono, mas se comparo a viagem e tudo que ela significa com aquele monte de carnês dentro da bolsinha de nylon na gaveta da minha escrivaninha acho que consigo encarar com mais tranquilidade -e cara de pau- meus credores. Até porque eles sabem que não sou uma caloteira e que esta viagem foi um "imprevisto" absolutamente irrecusável. Ou é agora, aproveitando as férias da minha filha e as dos alunos da fundação, ou não sei quando terei novamente a chance de fazê-lo. Então... E outra coisa boa: hoje de manhã a minha empregada encontrou o jornal na garagem, o que pode significar -estou torcendo por isso- que meu esposo voltou a assinar a Folha (jornal que publica as minhas crônicas) Ainda bem, porque já estava começando a ficar meio constrangida de entrar na farmácia toda quarta-feira para dar uma olhada no caderno dois!...


   Sei que existem inúmeras miragens e ilusões -a maioria criadas por nós mesmos pelas mais diversas razões- e que às vezes nos deixamos envolver completamente por elas, o que nos faz passar por momentos extremamente difíceis que, com  certeza, não o seriam tanto se percebêssemos que se trata apenas disso: uma ilusão, uma miragem que só piora a situação porque acreditamos nela.Por exemplo: toda vez que nos encontramos imersos na dor, seja ela física ou espiritual, temos a terrível e esmagadora impressão de que  nunca mais conseguiremos sair dela, de que continuaremos a afundar no abismo do abandono e do pessimismo e nada de bom voltará a nos acontecer. Por vezes, as feridas que carregamos ou recebemos são tão profundas e nos provocam angústias tão grandes que morrermos dessangrados nos parece o único fim lógico e inevitável. Nada nos consola, nenhum fio de luz  nos ilumina a escuridão, nenhuma mão nos segura para que não despenquemos no abismo... É então que aprendemos que a dor e o desespero só vão embora quando seu ciclo se completa, e só então. Aprendemos que é preciso passar por ele e chegar ao fundo da experiência para assimilar a lição contida nele para, só depois, nos libertar das sombras e retornar vagarosamente para a luz, para a vida, para o que anda nos aguarda... Regressamos então, porque o instinto de sobrevivência é o mais poderoso que possuímos, e recolhendo os pedaços dilacerados e retorcidos, ainda em carne viva e exauridos, vazios, que restaram da nossa batalha, os vestimos com heróica teimosia e retomamos nosso caminho, continuamos com os nossos planos, amamos, rimos, conversamos, comemos, deitamos e acordamos carregando mais algumas cicatrizes, é verdade, porém cientes do que elas nos ensinaram; seguimos adiante mais fortes e sábios, mais corajosos e compassivos, tendo compreendido que a miragem da dor não passa disto: uma ilusão da qual sempre seremos capazes de ressurgir. E este é mais um dos milagres que nos é dado realizar nesta vida.

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