sexta-feira, 23 de abril de 2010

Sentidos

Espero que este fim de semana, em algum momento raro, possa postar aquele conto que prometi a semana passada, mas não sei não, a coisa está pegando mesmo por acá e não tenho certeza de se, no fim de tanto ensaio, interferência e bronca de chefe, vou ter fôlego para redigir a famosa história. Não é que esteja chateada com tanto trabalho -muito pelo contrário!- mas está acontecendo que, por causa dele e de outras "cositas más", não estou conseguindo me organizar nem ter disciplina e perseverança para cumprir as minhas rotinas obrigatórias de diabética, e isto é o que me deixa realmente irritada, porque tenho a desagradável sensação de que perdi de alguma forma o controle da minha vida e de que são as circunstâncias e as pessoas quem estão determinando como devo viver... Na verdade, isto é somente uma sensação, porque ninguém pode tomar conta da minha vida se eu não deixar, mas acho que está tendo tantas mudanças ultimamente, que estou ficando desleixada e preguiçosa e permitindo que os acontecimentos ditem meus horários e processos ao invés de ser eu quem põe os limites, as regras, as rotinas e mantém aquele saudável equilíbrio que está me fazendo tanta falta agora... Mas não se preocupem, este estado de confusão momentánea já, já passa e volto a ser dona de mim mesma! A novidade sempre nos deixa meio tontos e fora de nós mesmos, não é verdade? O negócio é que ela tem hora para acabar e nos deixar retornar à nossa rotina. E acho que a minha está chegando, porque a minha saúde não pode esperar...
Então, como toda sexta-feira -deliciosa rotina- aqui vai a crônica deste semana. Jà é um bom sinal de retorno à normalidade, não acham?...


Os olhos... O que são estes dois poços de luz e sombra por onde a alma escapa? Levam a imagem ao cérebro, ao raciocínio, ao fundo do coração, construindo segredos que a nossa razão às vezes nunca desvenda. Perspectiva, cores, movimento, sombra, luz, nuances... Os olhos percebem densidades, distâncias, intenções, gestos, beleza, maldade. Há uma intuição sobrenatural no olhar do homem; olhar associado ao pensamento, à reflexão, à descoberta, à criação, à conclusão. O olho que pisca e fala, que deságua, incendeia, toca, penetra; palavras mudas que emergem do coração e revelam suas dúvidas e seus êxtases, seus pesares e alegrias, seus amores e seus ódios... Quando olhamos uns para outros, que milagres, que misérias e esperanças, quais intenções descobrimos? Nos vemos refletidos nos olhos da humanidade? O olhar da criação nos encanta, ou preferimos fugir dele? Olhamos para a verdade ou para a mentira?... Será que existe vergonha no olhar, já que não consegue mentir? Talvez seja por isso que sempre teima em se esconder, se disfarçar? Quem é que sabe olhar para o outro e interpretar corretamente o que vê? Nos perguntamos alguma vez sobre o que vemos? Estamos mesmo enxergando o que se passa ao nosso redor? Sentimos o que enxergamos, ou as imagens são somente referências mortas, alheias, só um quadro no qual existimos, mero complemento e não reflexo do que somos?... Ao olhar, somos mesmo capazes de perceber com todo nosso ser o chão, a madeira, as nuvens, o asfalto, o tecido, o vidro, a lã, o vento, a água, as telhas, as pétalas, os pássaros? Longe, perto, grande, pequeno, parado, em movimento, em cima, embaixo?... Quase sempre olhamos para o universo como se não fizéssemos parte dele e, do mesmo modo, contemplamos as imagens dentro de nós. Nâo acreditamos nelas, porque o olho interior se reflete na visão exterior. Acho que ainda não compreendemos o que é "ver", o que devemos ver, para que vemos, pois a visão não é um simples dom, um prazer, um sentido do corpo. O olhar chega só onde nós lhe permitimos, até onde ousamos levá-lo, assim como também é cego para o que não aceitamos, nos amedronta ou nos parece impossível.
A primeira pergunta que devemos fazer a nós mesmos ao abrir os olhos é: "O que sou capaz de enxergar?" Ou talvez: "O que desejo enxergar?"... E a resposta não é, definitivamente, uma mera questão de capricho, imaginação ou ilusão. É a verdade. Pois é para isto que os olhos servem, é para isto que a nossa mente e nosso coração estão ligados a eles, pois são instrumentos de revelação e transformação.
Isto vale também para os outros sentidos, já que todos são caminhos para o nosso desenvolvimento e aprendizado. Às vezes me pergunto, espantada: o que fazemos com os nossos sentidos? Ver, sentir, cheirar, saborear, ouvir: o que fazemos com estas ferramentas preciosas?... Estamos constantemente poluindo as suas funções, deturpando seus objetivos, mutilando as suas capacidades! Porque, afinal de contas, o que é que desperta a reflexão senão o que os nossos sentidos nos trazem? Eles nos proporcionam experiência, nos abrem caminhos, descerram janelas e acendem luzes que podem mudar a nossa existência! Nos instigam e despertam a nossa mente com seus questionamentos e reflexões até atingirem o nosso espírito, fazendo com que ele chegue cada vez mais perto de Deus... Do corpo para a alma... Mãos, boca, nariz, ouvidos e olhos não são meros informantes, mas mestres, experiências físicas que, de alguma forma, nos atiram no plano das revelações divinas. O corpo em plena percepção do entorno se abre para a sabedoria da criação. Através da catarse dos sentidos -quase que a morte deles por uma fusão extrema de percepção do entorno- podemos aprender a desenvolver e vivenciar a nossa essência que é, afinal, a expressão perfeita de cada um deles.
Os olhos: o que são estas duas janelas de horizontes ilimitados? As mãos: o que são estas antenas que dançam no ar e seguram a magia? E a boca: o que é este milagre de sons e sabores por onde a voz da alma explode? O nariz, túnel de oxigênio que nos mantém vivos, passagem de perfumes instintivos e espirituais. Os ouvidos: o que são estes canais incansáveis que nos trazem as mensagens dos homens, dos deuses e do universo vivo?... Viver é sentir. Sentir é viver. Mais do que carne, ossos, anos, sucessos ou fracassos, somos sensações, sentimentos. Mais do que razão e lógica, projetos e prestígio, somos instinto humano e divino o tempo todo nos empurrando, nos chacoalhando, ressuscutando-nos, reinventando-nos, machucando-nos quando necessário, porém, sempre conduzindo-nos para a vida.
Sinto o vento que passa por mim feito um afago. Ouço os sinos distantes da igreja. Balanço lentamente na rede. Aperto a caneta. Cheiro o jantar esquentando no fogão. No silêncio do entardecer pressinto a minha voz, pois a conheço, mesmo que ninguém a escute. Meus sentidos me tornam parte viva e atuante do universo e a sua história, dos planos de Deus, do destino das humanidade.

sábado, 17 de abril de 2010

A caixinha

Bom, hoje até que não vou ter muito trabalho com as crônicas porque vou postar a que saiu publicada no jornal - finalmente após o loooongo jejum!- esta semana. Fora isso, acabei de arrancar a ponta do meu dedo indicador enquanto picava a salada para hoje à noite, então estou meio prejudicada para escrever... Ainda bem que não tive nenhuma hemorragia que tingisse a pia, o fogão, o chão ou outros móveis dramaticamente de vermelho -curiosamente, toda vez que me firo quase não sangro, não sei se porque ergo imediatamente o membro machucado (receita da minha mãe) ou se, sem eu saber, tenho algo de vampiro...- mas que a porcariazinha dói... ai, dói mesmo!... É meio esquisito digitar com o outro dedo, mas em fim, são ossos do ofício porque, além de ser escritora, também sou dona de casa, então estou exposta a estes acidentes idiotas como cortar os dedos, ter torcicolo arrumando cama, apanhar resfriado esfregando a calçada, recolher todo o lixo que caiu do saco plástico que se rasgou bem quando estava colocando-o na grade, deixar cair os óculos no forno na hora de dar uma olhada no frango que está assando, se queimar com óleo quente ao fritar nuggets, pisar na bosta do cachorro enquanto agua as plantas, ser picada por um enxame de insetos assassinos ou se arranhar toda por dar uma de jardineira podando o arbusto do vaso ou quase morrer eletrocutada ao enfiar o cabo da máquina de lavar na tomada com as mãos molhadas... Afinal, quem já não teve um desses pequenos contratempos domésticos em sua vida? Nâo é que eu sou uma retardada, são coisas do destino...
Bom, por outro lado -que pode ser o motivo de eu andar meio distraida ou estabanada- as coisas com o meu famigerado musical do café estão indo de vento em popa. Já gravamos todas as músicas e colocamos as vozes -até eu entrei no estúdio e botei os fones para cantar! Imaginem, depois de quase 30 anos sem gravar!- e amanhã é o primeiro ensaio com todo mundo: o pessoal do ballet, do coro e os atores e figurantes, no palco, então, imaginem a minha expectativa! As coisas estão começando a tomar forma finalmente e estou achando que vão ficar mesmo boas e que vamos nos divertir um monte... É assim que gosto de trabalhar (apesar do meu dedo sem ponta) e de produzir. Semana que vem lhes conto como foi o ensaio, isto é: se devo me suicidar ou sair comemorando, ok? Por enquanto, aqui vai a desta semana. Espero que gostem. Estou querendo postar um conto também, mas não sei se vai dar tempo...


Foi num daqueles aniversários que pegam a gente com a carteira vazia, então não se espera muita coisa além dos bons desejos, beijos e abraços; mas como mãe é mãe e tira leite de pedra, a minha desenterrou não sei de onde esta caixinha de bronze com uma aplicação de porcelana colorida na tampa e veio me entregar logo cedo, com a cerimônia que se faz para oferecer alguma oferenda aos deuses. Parecia que aquela caixinha redonda continha todos os segredos do universo!... Ela me deu, dizendo: "Guarde nela somente as coisas mais importantes", e sorriu, enigmática, dando-me um beijo e um abraço especialmente caloroso e demorado. Depois, voltou ao seu café da manhã, pegou o táxi e saiu atrasada para o trabalho, como quase sempre... Eu fiquei com a tal caixinha na mão, intrigada pelas paplavras da minha mãe, observando-a de todos os ângulos e perguntando-me quais coisas tão importantes deveria guardar ali.
O tempo foi passando e eu, talvez de forma inconsciente, fui mesmo colocando dentro dela alguns objetos que adquiriram um significado todo especial por cada episódio que vivemos juntos. E, querem saber? Ela está realmente cheia de pequenos tesouros que me lembram o que é verdadeiramente importante nesta vida... E acho que chegou a hora de partilhá-los com todos.
Dentro desta caixinha guardo uma borboleta morta para me lembrar da brevidade e beleza da vida, uma bolinha de gude prateada para me lembrar que nunca devemos deixar que a criança em nós seja tirada do nosso espírito e esquecida em algum canto inexpugnável do nosso coração, sepultada e silenciada pelas obrigações, conflitos e deveres da idade adulta. Guardo também nesta caixinha uma aliança de prata, já meio esverdeada, que me lembra que tudo é cíclico, que não tem fim, que está sempre em movimento, em transformação, e voltando para nós. Guardo um pedacinho de uma barra de incenso para não esquecer do Paraíso e suas promessas, o perfume da minha alma que sempre quer voar em direção ao céu, e a misericórdia sem fim de Deus. Tenho ali uma pedrinha brilhante, pedacinho de uma montanha, que me lembra a força do meu espírito e a imutabilidade das leis divinas. E por último, há também dentro desta caixinha algumas folhinhas já secas, que com a filigrana da sua nervura me trazem à mente os meios surpreendentes e criativos que nosso Pai utiliza para se comunicar conosco e fazer com que ouçamos a Sua voz... Ontem, acrescentei um pedacinho de barbanmte com tres nós, para nunca esquecer que todos estamos interligados, que as nossas ações têm conseqüências e que por isso precisamos agir em conjunto, nos comunicar, trocar experiências, crescer e aprender juntos, lutar por um mundo melhor fazendo a nossa parte alegremente, com fé e perseverança.
Estes são os meus tesouros, todos coisas simples, banais, que estão à nossa volta o tempo todo e que à primeira vista não valem nada... De vez em quando abro a minha caixinha e fico olhando para eles, lembrando mais uma vez quem sou e o que vim fazer aqui. Às vezes os tiro cuidadosamente, botando-os na palma da minha mão, e os apalpo, brinco um pouco com eles e os coloco contra o peito para sentir todo seu significado e para que este passe para meu coração e o renove, dando-me novas forças, mas esperança, clareza e determinação... E lembrando hoje a expressão no rosto da minha mãe e as suas misteriosas palavras, entendo o por quê daquele gesto tão solene ao colocá-la em minhas mãos. Acho que ela estaria contente se a abrisse e visse o que guardei ali dentro.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Exercício diário

Vou aproveitar a manhã para postar as crônicas porque à tarde me aguarda uma montanha de trabalho, assim como no resto da semana... Lembram daquele espetáculo sobre a história do café que começamos a montar? Bom, como eu predisse, a coisa toda acabou ficando em minhas mãos, então, haja hora extra para cumprir o encargo!... Graças à Deus tudo que envolve esta montagem é o tipo de coisa que eu adoro: criação em todas as áreas, que deverá ser supervisionada por mim. Então, fora a dúvida sobre as horas extra (o chato é que mesmo que não me paguem, vou trabalhar, porque gosto demais) não tenho do que reclamar. Bom, talvez só do fato de sobrar menos tempo e fôlego para escrever, mas como tudo isto tem a ver com arte, com o desenvolvimento e a concretização de idéias e com pessoas produzindo juntas, na verdade não me sinto lesada, muito pelo contrário, acho que muita coisa boa vai sair deste trabalho, vou aprender e partilhar um monte de experiências que, com certeza, me farão crescer humana e profissionalmente... Isso, fora a moral com que vou ficar na fundação se este famigerado musical virar um sucesso!... Para ser sincera, nâo acredito que vamos apresentar algo de fato espetacular como meu chefe sonha, mas tendo qualidade e cativando a platéia, para mim já está ótimo. Eu não sou muito ambiciosa no que se refere à cenários, figurinos ou tecnologia de ponta quando se trata de montar um espetáculo. O que realmente me interessa é o desempenho do pessoal que está no palco, sejam eles bailarinos, atores ou cantores. A final, são eles o espetáculo e não o cenário, a roupa ou os efeitos especiais. Um bom texto, uma boa música, acertadamente coreografada, bons atores ou bailarinos e já se tem algo que vale a pena de ser assistido, não é mesmo?
E sem mais delongas porque de aqui a pouco o músico que vai fazer os arranjos das músicas vem me apanhar, aqui vai a crônica desta semana.

Sinto-me completamente fascinada pela arte de observar e meditar -também chamada de "contemplação"- coisa que jamais esperei dizer sendo a pessoa agitada, ansiosa e imediatista que sou. Mas estou começando a descobrir que esta atividade pode levar a processos de compreensão e conclusão absolutamente e reveladores, pois é algo tremendamente enriquecedor e relaxante, que promove um equilíbrio e uma clareza que não consegui através de nenhuma outra atividade -fora escrever, é claro- E o mais importante: este exercício diário me ajudou a desenvolver a capacidade de transformar todas estas experiências -fato também devido à contemplação- em textos que serão um legado dos mais sinceros, algo que acho vai valer a pena partilhar com o mundo.
Tem dias en que, no meio de um destes exercícios de contemplação espontáneos, me vêm à cabeça as perguntas: "Será que as pessoas pensam tanto quanto eu sobre a existência? Será que olham em volta e descobrem as mesmas coisas que eu? E será que meditam assim sobre elas, ou seu pensar é algo automático, instintivo, que se reduz ao essencial? Será que o que acontece no entorno os afeta, os modela, os faz enxergar uma nova realidade? Será que interagem realmente com o mundo em volta?"... Acho que alegar que não o fazem por falta de tempo não é uma desculpa válida, já que eu descobri que não é preciso abandonar nenhuma outra atividade que estejamos realizando ou o tipo de vida que levamos normalmente para observar, meditar ou chegar à conclusões. Uma coisa não atrapalha a outra. Eu acho que o termo mais acertado para esta carência espiritual seria "falta de costume", ou "falta de consciência", ou melhor "falta de paciência", porque temos esta manía de viver a vida como se ela fosse uma corrida, algo alheio a nós, um rio em que só nadamos, mas do qual não fazemos parte. Desprezamos todos os presentes que ela nos oferece, todas as lições, todos os milagres, os encontros, as revelações, pois acreditamos tão somente naquilo que podemos tocar, comprar, comer, vestir. Crescer não é uma questão interna para a maioria de nós, mas um processo totalmente externo e superficial, algo que vale mais aos olhos dos demais do que aos nossos próprios olhos, algo que só nos proporciona poder e riqueza, influência, status, mas não sabedoria ou compaixão... Mas, como aprender, e compreender e interagir efetivamente com o universo e as suas criaturas, como fazer parte da sua história se não se observa e medita sobre a existência? O espírito precisa deste alimento, deste exercício diário para estar em sintonia com os acontecimentos, com as pessoas, com a própria existência! Não se trata, no entanto, de afastar-se da realidade concreta para passar o tempo todo observando e meditando sobre coisas transcendentais, mas de viver plena e conscientemente, de perceber, refletir e concluir sobre os fatos mais simples da vida, pois é neles que encontraremos as mesmas respostas e revelações que obteríamos se ficássemos por horas intermináveis meditando na cela de algum mosteiro. Os seres humanos comuns -feito eu mesma- sem nenhuma preparação espiritual, não conseguem transcender o que não enxergam, então o caminho deles é o aprendizado através daquilo que está perto e que conhecem bem, daquilo com o qual têm intimidade, que os acompanha todo dia em suas rotinas... Às vezes eu queria parar no meio da praça e gritar: "Sintam o vento! Olhem as árvores! Toquem as suas próprias mãos! Acompanhem a mudança das nuvens! Ergam a cabeça para o céu e se encham de seu azul luminoso! Vejam as formigas, os pássaros, os cachorros, as outras pessoas!"... Há um pequeno milagre acontecendo a todo instante, bem do nosso lado! Então, por que não nos aproximamos dele e o aproveitamos? Por que não fazemos parte dele? Melhor ainda, por que não podemos ser nós mesmos a gerá-lo?... As descobertas nunca acabam e é nosso dever -e prazer- estarmos sempre atentos para não perder nenhuma, já que é delas que podemos aprender a viver melhor em todos os sentidos.
Podemos desperdiçar uma parte da nossa vida na correria, no consumismo, na vaidade, nas ilusões e lutas pelo poder e o prestígio, porque isto parece ser parte da natureza humana, mas não toda ela. Isto seria um pecado imperdoável que teria conseqüências trágicas. A vida tem um começo, um apogéu e um final, e cada um destes períodos possui imensas riquezas que podemos desfrutar e compartir com os outros; porém, não seremos capazes sequer de percebê-las se estamos o tempo todo com pressa, competindo com alguém, lutando por mais bens materiais, brigando, vivendo aparências e achando que sabedoria é aprender a se destacar em prejuízo do outro.
Acho que é por isso que envelhecemos. Precisamos fazê-lo, pois é algo imprescindível para nosso amadurecimento e purificação, para nosso aperfeiçoamento, pois é só com os anos que aprendemos a viver de verdade e a dar valor ao que verdadeiramente o tem.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O segredo

Feriado longo é bom por isso: a gente não precisa correr para fazer as coisas, nem planejar com muita exatidão, porque temos tempo para fazer o que tínhamos pendente e para descansar também, coisa que às vezes é rara no dias em que não trabalhamos. Parece um paradoxo, mas costuma acontecer de nos afobar mais para realizar coisas nos feriados do que nos dias úteis, o que dos deixa exaustos e com aquela bizarra sensação de que o feriado passou batido. Acho que isto acontece porque vamos deixando as pequenas obrigações domésticas ou pessoais se acumularem -achando que no fim de semana ou no próximo feriado conseguiremos dar cabo delas- até chegar ao ponto em que se tornam absolutamente inadiáveis, todas ao mesmo tempo. Resultado?: passamos os dias de folga correndo feito loucos, estressados e mal-humorados, revoltados e profundamente arrependidos por não ter aproveitado o embalo dos dias de trabalho para ir fazendo, pouco a pouco, estas atividades nada atrativas -porém indispensáveis- que nos negamos a aceitar como parte da nossa rotina... Esta atitude é, definitivamente, o melhor exemplo de como jogar no lixo o feriado e voltar à rotina do dia-a-dia com aquela cara de chateado e o coração frustrado, segurando a sua aflição na distante certeza de que, no próximo fim de semana ou feriado longo, conseguiremos descansar mesmo, porque teremos feito cada coisa quando era o momento, quando tínhamos tempo e disposição... Pois não tem nada melhor do que abrir os olhos pela manhã de um sábado, um domingo ou um feriado de fim de semana e perceber, sorrindo, que o tempo é todo nosso porque fomos organizados e capazes de deixar a preguiça de lado e fizemos o que precisava ser feito no momento certo... Isso sim é descanso, não só do corpo, mas também da mente e do espírito, pois estão sossegados e satisfeitos por terem cumprido com as suas obrigações na hora certa. A tranquilidade do dever cumprido é a melhor de todas e nada pode abalá-la, pois não estamos em dívida com ninguém, principalmente com nós mesmos.
E, aproveitando que estou sossegada porque já fiz tudo que precisava, aqui vai a crônica desta semana. E até vai dar tempo de postar uma história nova no outro blog!... Passem por lá e confiram!

Esta é uma grande verdade: acontecem coisas estupendas o tempo todo, em qualquer canto, em qualquer buraco, em qualquer fim de mundo. Em todo lugar existem pessoas fantásticas, inspiradas, altruístas e corajosas; estão em todas as classes sociais, em cada bairro, escola ou empresa, nas lojas, cozinhas, construções, hospitais e salões de beleza... E acreditem, elas nâo necessitam de dinheiro, publicidade, prestígio ou promoção para agirem, pois não há tamanho, espaço, condição, raça, religião, tempo ou diferenças culturais que impeçam as manifestações do amor. Tenho comprovado isto infinidade de vezes, mas mesmo assim, sempre que testemunho um destes episódios fico de queixo caído, profundamente comovida com os milagres que podemos conseguir e cheia de vontade de imitar estes pequenos heróis anônimos que estão salvando a humanidade... O amor é tão poderoso e abrangente que não precisa de pessoas escolhidas, lugares ou situações que gerem mídia para agir. E ele o faz através de nós mesmos, ensinando-nos, ajudando-nos e tornando as nossas vidas melhores, usando-nos como doadores e receptores. Para praticar atos de amor não são necessários requisitos, provas, testemunhas importantes, ganho financeiro ou grandes e complicados planejamentos. O segredo é, simplesmente, se deixar invadir, inspirar, guiar e agir sem se intimidar pelas regras ou padrões estabelecidos, pelo preconceito ou a vaidade. É preciso ser perseverante e paciente, compassivo, para que a nossa empreitada tenha sucesso, e aprender a nos sentir recompensados não com o aplauso ou os elogios, com a gratidão ou alguma retribuição material, mas com a mera consciência de que realizamos uma boa ação, de que ajudamos alguém que estava precisando, de que não fugimos do encontro nem da ação que Deus colocou em nosso caminho neste dia, neste instante. A verdadeira recompensa é saber que fizemos tudo que podíamos para que as coisas dessem certo, que cumprimos com a nossa parte na história que cruzou com a nossa (até porque estes cruzamentos nunca acontecem em vão, o que significa que, mais cedo ou mais tarde, perceberemos o presente que recebemos neste episódio) e sentir a nossa consciência tranquila ao respeito.
Eu não sei qual lei rege estas coisas (a lei da surpresa, talvez?) mas o amor costuma se manifestar sem reservas, sem restrições. É feito uma árvore que precisa de tão somente uma gota de água para soltar raízes e criar um tronco com seus galhos, folhas e flores e frutos instantaneamente; e esta diminuta gota de água é a nossa aceitação à sua manifestação, a mera intenção de realizar a boa ação já é suficiente para que ele comece a agir. Nada o inibe. Se divisa uma fresta, por menor que ela seja, logo vem e invade o coração, tomando conta dele por completo... O que o motiva? Pois não é nada demais, só o nosso próprio consentimento, mesmo que com alguma resistência... Às vezes, somos levados a acreditar que somente os corações puros e valorosos, os anjos e os santos desfrutam da beleza e do sabor dos frutos desta árvore, mas isto não é verdade -até porque esta afirmação vai contra tudo que o amor é- Ninguém é discriminado, todos podemos agir, sentir, crescer, sermos iluminados pela luz do amor e receber seus dons e recompensas. Nâo é necessário sermos perfeitos para dar amor, recebê-lo ou deixar que ele nos guie, pelo menos de vez em quando, porque todo ato de amor é válido.
Graças à Deus, a nossa ignorância, a nossa futilidade e egoísmo, toda a nossa vaidade e ambição não conseguem detê-lo nem torná-lo menos luminoso e poderoso, nada muda ou diminui seu poder transmutador, regenerador; nada o faz desistir, porque seu destino é habitar em nós e guiar nossos pensamentos e ações. E é preciso tão pouco para que ele aja, para que possamos sentir seus benefícios! É só dizer "sim"! Ele faz todo o resto e não pede nada em troca... Como o vento, sopra onde quer e ninguém sabe de onde vem nem para onde vai. Resta a nós abrir-lhe a porta.
Começo a vislumbrar as respostas para alguns enigmas, ou pelo menos um caminho que me permita vivenciá-los,dando-lhes o crédito que merecem, tirando-os do limbo dos "tabús", dos "impossíveis", das "ingenuidades" e das "utopias". O amor se revela algo completamente concreto, uma ação no tempo e no espaço reais, executada por pessoas de verdade, com resultados tangíveis e, se não imediatos, pelo menos a curto prazo. Então, por que esperamos a mídia, o dinheiro, o lugar mais conveniente, a cooperação dos outros, a aprovação das autoridades? Por que não agimos já, sem mais desculpas? O amor está ali, bem na nossa frente, só aguardando...