terça-feira, 8 de maio de 2012

"O coral"

Como podem imaginar, não está sendo fácil sentar aqui para postar um crônica, primeiro, porque estou com a cabeça e o coração já viajando, sonhando, impaciente e quase explodindo de felicidade; e depois porque, caramba, como tem coisas para se fazer quando se muda de país!... É documento, conta de banco, compras, exames, reuniões com o corretor, despedidas, horas na internet procurando informações, endereços e notícias; mais compras, ligações e emoção, emoção demais... Não sei se conseguirei postar outra crônica antes de ir embora (partimos dia 29 deste mês, às 6:00 da manhã do aeroporto de Londrina) ou logo que chegarmos, mas em todo caso, se não conseguir vocês já sabem por quê, né?... De qualquer forma, estou certa de que toda esta mudança vai render muitas e muitas crônicas, então, mesmo que fique sem contar-lhes nada por algum tempo, não se preocupem porque depois virá uma enxurrada de textos!...
    E aproveitando que hoje o dia está luminoso e fresco e que a minha filha vai fazer o almoço, aqui vai mais uma. E só para não ficarem com muita saudade, é uma das loooongas!


    A nossa apresentação estava para terminar e eu podia ver nos rostos das pessoas que nos assistiam a ótima recepção que nosso trabalho estava tendo por parte delas. Meu chefe andava para cá e para lá tirando fotos de tudo, sorridente e inflado feito um pombo enamorado, recebendo os parabéns de todo mundo e eu, olhando para ele e a sua expressão de absoluta satisfação, já podia prever que, desta vez, não receberia nenhuma bronca na reunião de segunda, mas talvez um tapinha nas costas e algumas palavras de elogio... E agora estava merecendo mesmo, porque encarei numa boa -tal como prometi- o desafio de montar a peça em tempo recorde e ela ficou uma gracinha, os garotos estavam fazendo um ótimo trabalho e a cada dia vinha mais gente para assistir, então, meu chefe não tinha do que reclamar, um fato altamente extraordinário em se tratando dele!...
    Os atores, sorridentes e satisfeitos, formaram uma fila e agradeceram os aplausos, saindo em seguida do palco  para dar lugar aos microfones que seriam utilizados na  próxima apresentação: o Coral de Senhores da Primeira Igreja Batista de Londrina, que havíamos convidado para cantar como parte da nossa programação da semana da Páscoa. Eu estava recolhendo o banquinho que usávamos no nosso cenário e pronta para subir até a sala e arrumar as minhas coisas para ir embora, quando vi, de relance, o grupo de homens se aproximando, sorridente e animado, como se estivessem prestes a subir ao palco mais importante do mundo. Curiosa -como sempre- com esta sua atitude (porque usualmente ninguém dá muita importância a estes eventos de rua) decidi ficar mais um pouco e assisti-los. Então peguei o banquinho e me ajeitei nele, perto do palco, enquanto o coral subia ao cenário e se organizava num semi círculo. Surpresa, descobri que a tecladista que os acompanharia era a minha colega Janne, já que pertencia à mesma igreja. Acenei para ela e lhe sorri, imaginando como estaria nervosa... Quando todos estiveram enfileirados e o público atendo, o mais velho deles tirou uma folhinha do bolso da camisa imaculadamente branca e se aproximou de um dos microfones. Suas mãos tremiam de leve e engoliu algumas vezes antes de conseguir soltar a voz. Eu, ao vê-lo preparar-se para falar, quase que desisti de ficar, porque sei como os adventistas, batistas e membros de outras igrejas não católicas são adeptos a discursar -pregar, melhor dito- em qualquer ocasião e a pouca noção que têm com respeito à duração dos seus discursos, mas quando percebi a expressão no rosto dos integrantes do coral atrás dele -algo como una pura e celestial felicidade- mudei de idéia e decidi ficar, pois me chamou a atenção a alegria quase infantil que eles exalavam e o ansiosos que pareciam para cantar. Nossos outros convidados subiam ao palco nervosos, é verdade, porém com um quê de indiferença, de superioridade e relaxamento que imediatamente os distanciava do público que, como reação, geralmente não ficava até o final da apresentação. Mas estes aqui tinham algo diferente, pareciam tomados por algum tipo de emoção nova e vibrante, contagiante...
    -Boa noite a todos...- começou o mais velho, sorridente, com uma vozezinha miúda e frágil, e passeou pela platéia um sorriro luminoso e ao mesmo tempo modesto. Eu estava começando a me sentir absolutamente encantada -Antes de mais nada, queremos agradecer pelo convite, pois é uma ótima oportunidade de partilhar esta páscoa com todos vocês. Nós não viemos aqui falar de religião, nem pregar as nossas diferenças ou tentar convencer nenhum de vocês de nada. Nós viemos para cantar e celebrar este evento tão especial para todos nós... Por isso estamos felizes e gratos  e queremos, esta noite, oferecer o melhor de nós não somente para vocês, mas também para o Rei dos reis, nosso Pai Celestial, nossa rocha e nosso consolo, nosso defensor e nosso guia: Jesus. Porque é n'Ele que repousa toda a força e toda a benção, todo o amor, o perdão e toda nossa esperança. E é cheios desta esperança na ressurreição que cantamos para vocês hoje... Esperamos que gostem e se sintam inspirados e tocados pelo espírito santo escutando estas canções... Obrigado.- concluiu, abaixando a cabeça como se agradecesse silenciosamente a inspiração e a coragem recebidas. Em seguida dobrou e guardou o papel no bolso da camisa e retornou ao seu lugar.
    A tecladista deu o tom e começou a introdução da primeira música... E o que se seguiu foi algo tão especial, ao menos para mim, tão encantador e inspirador, tão cheio de luz e fé, que tinha uma pincelda de divino, que só pude me congratular por ter decidido ficar para assistir. As vozes eram maduras, não muito afinadas ou sincronizadas, mas as expressões em seus rostos nos diziam que não estavam cantando nesta dimensão, somente para nós, mas para algo maior, para a promessa, para a história, para a união e a comprensão, para a compaixão e o amor dentro de cada um de nós. Isto era absolutamente claro para mim, e a cada nota sentia meu coração crescer e ameaçar sair voando do meu peito... Olhei em volta para ver se alguém mais estava no mesmo transe que eu e, apesar das crianças correndo e gritando e se acotovelando na casinha do coelho, logo ao lado do palco, para tirar ua foto com ele; apesar das frigideiras chiando e os carros o ônibus trafegando atrás do palco tinha, sim, alguns rostos com aquele ar enlevado, com esse olhar de reflexão e revelação que a vibração proveniente do palco despejava sobre nós. Eu não tinha sido a única  a ser tocada pela singela mensagem do pastor líder da igreja, mas outros também pareciam ter compreendido as suas palavras e estavam ali simplesmente, diante de Deus, levados pela música.
    Quando a performance acabou, eles agradeceram novamente e leram mais algumas palavras sobre a Páscoa e seu significado, elogiando o grupo de teatro por ter explicado tão bem este evento e, tal como vieram, se retiraram, sorridentes e humildes, satisfeitos por ter passado seu amor e a sua alegria para todos nós... E eu, enquanto guardava meu banquinho e subia lentamemnte os seis lances de escada até a minha sala, pensava, sentindo-me sobrenaturalmente feliz e serena: "Realmente, de nada valem pregações, aplausos, palavras bonitas ou elogios se não fizermos as coisas por amor, com amor e para o amor. Podemos não ser os melhores, porém, se as nossas ações estiverem regidas e direcionadas para o amor, impregnadas por ele, com a intenção sincera de fazer o  bem, de tocar sem importar quem, aí tudo que fizermos valerá a pena. Porque os aplausos e os elogios se desvanecem, mas o amor permanece, cresce, se espalha. Somos nós seus semeadores e é somente através das nossas ações e palavras que os nossos campos florescerão. Não importa onde, nem como ou quando -o tempo todo, na verdade- nem quantas pessoas atinjamos, nosso dever é amar, fazer tudo por amor e nunca ter medo de revelar os alicerces divinos que sustentam o que somos e o que desejamos.