domingo, 24 de abril de 2011

Agonía, morte e ressurreição

Finalmente a maratona de apresentações acabou e foi muito feliz. Meu chefe continúa com aquele sorrisão de orelha à orelha e eu estou super orgulhosa dos meus alunos, que fizeram um ótimo trabalho, apesar de tão cansativo.  Com toda justiça, ganhamos quatro dias completinhos de folga (que eu pretendia passar escrevendo, mas, para variar, não deu muito certo) e na segunda já estaremos de volta com tudo, revigorados, inspirados e muito animados. A primeira apresentação do musical de maio foi cancelada, mas não fiquei muito triste porque, na verdade, vou precisar de todo o tempo possível para dar conta das quatro peças -e tudo que elas implicam. Cadê meu estagiário????- que vamos apresentar no meio do ano, então, o cancelamento é uma dor de cabeça a menos na minha agenda...
E vamos à crônica desta semana. Acho que fiquei devendo-lhes uma daquela semana de apresentações, vamos ver se hoje alguma hora -tem almoço em família- consigo postá-la, ok?

Agonía, morte e ressurreição... Quem já não passou por estes tres estágios uma, dez, cem vezes ao longo da vida? E quem já não se sentiu punido, revoltado, abandonado, esmagado pela dor e a solidão, esquecido pela compaixão e a solidariedade do mundo? Quem não achou que não iria suportar, que não seria capaz de se reerguer, de continuar, de voltar a sentir, a se entregar, a acreditar?... Em algum momento ao longo do nosso caminho todos nós carregamos a nossa cruz, e, bem ou mal, suportamos seu peso, calados ou esbravejando, com fé ou amargurados, sozinhos ou com alguém do nosso lado, que carrega uma parte do peso, oferecendo-nos assim um pouco de alívio... Sempre estamos lamentando-nos pelas nossas desgraças, capricho dos santos, anjos ou até do próprio Deus, que às vezes parece brincar com os nossos planos e sentimentos. Por que tanta dor?, nos perguntamos, desconcertados, e não conseguimos encontrar uma resposta que nos conforte e nos faça aceitar as durezas da vida com serenidade e otimismo... Então, eu me pergunto: Será que já paramos, depois de ter atravessado uma daquelas via-crucis pessoais, e percebemos o que aconteceu conosco durante este processo? Será que, após a tempestade, nos olhamos no espelho e percebemos o quanto mudamos? Será que nos demos o tempo para refletir o que esta agonía, morte e ressurreição nos trouxeram? Será que entendemos verdadeiramente o que é a ressurreição e por quantas já passamos sem dar-lhes a menor importância?... Infelizmente -ou não- para haver uma ressurreição, tem de haver primeiro uma agonía e uma morte, uma perda, o vazio, o abandono. Tem de haver uma purificação, um despreendimento, uma entrega sem reservas, pois somente assim seremos transformados e fortificados pela ressurreição, pois é isso que ela significa: transformação, aprendizado, crescimento... Todos vamos, uma hora, carregar a nossa cruz, mas precisamos fazê-lo conscientes de que, com certeza, aprenderemos com as feridas que ela nos deixará, cresceremos como seres humanos -às vezes sem sequer dar-nos conta- enquanto o nosso calvário transcorre, nos tornaremos fortes e pacientes, compreensivos e corajosos: estaremos fazendo jus à nossa filiação divina.
Por isso, não tenhamos medo do sofrimento e da morte, o que não impede que esbravejemos, desanimemos, choremos, tenhamos crises de auto-compaixão e sejamos tentados a fugir; Deus entende essas fraquezas e já nos perdoou por elas- porque a ressurreição com certeza virá, como nos foi prometido, e então veremos que tudo pelo qual passamos valeu a pena. Não vem a primavera depois do inverno? E os jardins não renascem, os pássaros  retornam e o ar se enche de de perfumes e promessas de vida? Sejamos então como a natureza, que sabe que as estações são inabaláveis e que, após o frio e a chuva, o so, tornará a brilhar e a vida recomeçará, fresca e renovada, poderosa, perfeita."

sábado, 16 de abril de 2011

Segundo após segundo

A maratona de apresentações continua, mas até que não está sendo tão cansativa quanto achava que seria -apesar de que deitar tarde acaba comigo- então estou com bastante ânimo para fazer outras coisas. E depois, só de pensar que quando as apresentações acabarem teremos quatro dias inteirinhos para nos recuperar e ficar novinhos em folha para encarar o  próximo desafio (em meu caso, duas apresentações do musical e o início dos ensaios das peças do meio do ano, mais as aulas normais) já me sinto aliviada e disposta a chegar ao fim desta empreitada que, graças à Deus está sendo um sucesso (meu chefe anda por aí com um sorriso de orelha a orelha!) numa boa... É tão bom quando nossos esforços  e sacrifícios, desgostos e estresse são recompensados com um "parabéns!"  do chefinho e o público curte e aplaude cada apresentação! Aí, não importa se é algo que você não costuma fazer, se é simples, num palco sem  recursos, se os atores não são merecedores de um oscar ou se tem o caminhão do lixo passando atrás do palco bem na hora da fala mais emocionante... Tudo vale a pela!... Chego à conclusão de que a recompensa -não importa o tamanho- sempre supera e apaga qualquer desgosto ou expectativa. O sucesso não são só os aplasos, mas a comprovação do que somos capazes de realizar.

    Segundo após segundo, é deste modo que existimos. Não temos outra opção real, pois o passado já não existe mais -a não ser como uma lembrança ou uma lição- e nem o futuro, já ele não aconteceu ainda. O presente é tudo o que verdadeiramente possuímos. É sempre agora, nem antes nem depois. É impossível se adiantar ou voltar atrás, só podemos supor, lucubrar, sonhar, criar expectativas que, às vezes, até acabam prejudicando-nos mais do que ajudando-nos, mas é só isso. A vida acontece assim para todos, ninguém escapa desta dinâmica: é um instante desconhecido que sucede àquele que acabou de desaparecer na nossa história. Primeiro um, e só depois o outro, em inabalável continuidade e lógica. Os momentos não se misturam, não se fusionam, não trocam de luar, não se perdem. Assim, temos uma percepção após a outra, porque cada instante tem um peso, uma cor, um tom, um sentimento, um movimento que são somente dele, único e insubstituível, insubornável... E eu me pergunto: É possível ter consciência disto? É possível viver assim, momento  a momento, sem ansiedades ou expectativas, sem planos muito definidos, só aguardando o que virá?... E a resposta é que acredito que é possível, sim, desde que passemos a respeitar e acreditar no ritmo deste constante acontecer, desde que estejamos atentos e percebamos as mudanças, as lições -capítuo a capítulo- o crescimento. Entraríamos numa dimensão espaço/tempo diferente, muito mais rica, com muitas mais possibilidades; perceberíamos o todo com perfeita clareza, pois estaríamos inseridos conscientemente nele, seríamos ele. A vida teria, então, novos significados, novos desafios e caminhos, descobriríamos outras paisagens, outros personagens, aprenderíamos sem ansiedades nem medos, porque estaríamos longe do alcance de tabus, expectativas, pressões e regras castradoras.
     O presente é mesmo um tesouro, pena que não saibamos lidar com ele para aproveitar tudo que tem para nos oferecer.

domingo, 10 de abril de 2011

Uma moeda a menos

E antes que comece a maratona de apresentações de Páscoa na semana que vem, vou aproveitar este fim de semana ensolarado para postar calmamente as minhas crônicas, porque sei que até quarta-feira que vem vai me sobrar bem pouco tempo e energia para fazê-lo como é devido... Ainda bem que é só uma semana! Depois virão outras empreitadas, mas estou trabalhando para não me estressar e pegar cada evento quando ele chegar e não antes, como costumo fazer- pois já andei perdendo algumas noites de sono preocupando-me com coisas que ainda vão demorar para acontecer, querendo solucionar todos os problemas imediatamente, sem mesmo saber se eles irão acontecer... Coisa de pessoa ansiosa e perfeccionista, sabem?... É que não estou nem um pouco a fim de levar outra bronca do meu chefe por deixar assuntos sem solução ou por não me envolver o suficiente. Um fiasco desse tipo é suficiente para aprender... Tudo bem que da primeira vez mereci, mas é tão desagradável que prefiro evitar passar por este engodo. Agora, se depois de fazer tudo que posso para que as coisas dêem certo, elas ainda não ficam do jeito que esperávamos... Paciência, pelo menos a minha consciência estará tranquila...
 Hoje tive uma manhã meio conturbada porque meu filho e a sua namorada vêm almoçar, então tive de caprichar no menu, o que me levou algo mais de tempo que o usual, pois meus pratos geralmente são super simples. Mas não me importo, vale a pena para agradar meu filho, a quem ando vendo muito pouco ultimamente... Fora isso, mesmo cozinhando mais do que de costume, ainda me sobrou este resto de manhã para postar as minhas crônicas, então... Vamos aproveitar, né?

    É hora de almoço e as ruas fervem, as pessoas saem das lojas e escritórios feito nuvens de gafanhotos famintos, animadas e sorridentes. O ar está cheio de aromas que brigam entre si para atrair os fregueses: feijão, bife, frango, macarrão, batata frita, costela assada, purê, arroz branco e fumegante, soltinho na bacia... Os inúmeros restaurantes da avenida principal abrem as suas portas e expõem seus balcões transbordantes e cheirosos e as suas mesas de toalhas xadrez através das janelas, enquanto atarefadas cozineiras de avental e toca se apressam com tigelas e bandejas da cozinha até o bufê, pois parece que a fome e a pressa dos fregueses não têm fim... Num destes restaurantes, que tem uma porta corrediça de vidro e uma enorme vitrine que tenta os transeuntes com a visão colorida do balcão de saladas e pratos quentes, o entra e sai é quase frenético. As mesas mal são liberadas quando já tem alguém sentando; as cozinheiras quase não têm tempo de retirar os pratos sujos e passar um pano úmido. Tem até gente em pé, perto do caixa, esperando com seus talheres, guardanapos e pratos vazios na mão, irrequietos na fila do bufê, com cara de quem começa a recear que a comida não vai durar até chegar a sua vez... O dono, desde seu trono particular atrás do caixa, contempla o quadro com olhos brilhantes e um enorme sorriso em seu rosto bochechudo e pálido enquanto dá o troco ou indica alguma mesa livre...
    Então, vindo ninguém sabe de onde, aparece este homenzinho, do tamanho de uma criança, trajando aquele enorme agasalho preto e seboso que quase chega até o chão, botinas descosturadas, cabelo oleoso e começando a mostrar algumas cãs, mãos sujas e de unhas compridas, pele marcada por cicatrizes e machucados que ainda não sararam, um suéter que jamais viu água e sabão, e uma calça amarrada com uma corda preta de graxa, e pára bem na porta do restaurante, encolhido e com os olhos compridos de fome, as mãos no ar como se quisesse apanhar aqueles cheiros celestiais e levá-los à boca... Os fregueses, com aquele ar de realeza escandalizada, começam a esbarrar com ele para entrar e o dono, vendo a irritãção deles, vira-se para o homenzinho e lhe cospe algumas palavras em tom áspero, acompanhadas de um gesto parecido com o que se faz para espantar um cachorro. Mas o homem pouco se mexe, posicionando-se num dos lados da porta. Os clientes passam por ele fazendo questão de não encostar na sua roupa imunda, e entram suspirando aliviados e bastante melindrados, fazendo comentários. Alguns dão uma olhada furtiva de desaprovação lá de dentro enquanto mastigam seus bifes ou enrolam o macarrão no garfo... O dono, impaciente e preocupado, fala de novo com o homem, mandando-o sair, e ele, obediente porém persistente, se afasta mais um pouco, saindo da porta, mas continua olhando para dentro, inclinando o corpo, pescoço esticado e ombros encolhidos, como para não perder um detalhe do banquete obsceno que acontece lá dentro. Curiosamente, nada responde e nada pede, só continua parado ali, feito um daqueles cachorros de rua que sentam junto das mesas da anchonete aguardando que, num descuido, alguém deixe cair uma migalha ou então, se comova e lhe ofereça um osso, um pedacinho de bife, uma batatinha meio queimada...
    Estremecida, contemplo aquele personagem de cima a baixo, em toda a sua miséria e humildade, e percebo quão terrivelmente consciente está da sua insignificância, quão grotescamente resignado ao seu nada e, por isso mesmo, convencido de que não merece abrir a boca e esmolar um pouco de arroz com feijão, não importa se as suas pernas fraquejam de fome ou seu estômago está feito um nó e as suas mãos tremem ao limpar a saliva que começa a escorrer da sua boca murcha e desdentada... Eu olho em volta e me pergunto, horrorizada: "Ninguém está vendo? Ninguém se compadece desta criatura? Ninguém é capaz de compartir o alimento? Não tem umas moedas a mais para pagar-lhe um almoço decente?... E o dono, não tem panelas transbordando de macarrão, frango ou arroz na cozinha? O negócio é mais importante do que aliviar a fome deste homem que quase desmaia à sua porta?... Do que ele tem medo? A notícia pode se espalhar e daqui a pouco vai ter uma fila de mendigos querendo aproveitar-se da sua boa vontade?"... Mas meu ônibus aparece naquele instante e eu preciso pegá-lo, então fico sem saber o final desta história triste... Através da janela empoeirada contemplo a silhueta pequena e encolhida do homenzinho , ainda em pé na calçada diante do restaurante, e penso que todos ali dentro -sobretudo o dono- perderam a chance de ganhar o dia fazendo uma boa ação. Uma moeda a menos no seu tesouro no céu.

sábado, 2 de abril de 2011

Nuvens

Aleluia!!!... Não se preocupem, que não se trata de uma exclamação vinda de algum tipo de êxtase, revelação ou conversão  mística, mas simplesmente de uma expressão de mais pura felicidade e alívio de uma pobre mortal que recuperou, após uma semana de agonia e dúvidas, o acesso à internet... Afinal, e depois de chamar meio mundo e tentar todo tipo de soluções que não deram certo, já estava entrando em crise existencial quando reparei que a extensão telefónica que vem da sala até meu quarto tinha começado a chiar, a ficar com eco e todo tipo de ruídos estranhos até, finalmente, emudecer total e dramáticamente... E aí me ocorreu: "Se a minha net vem pelo telefone e a extensão que está em meu quarto não está funcionando, pode ser que..." Imediatamente liguei para o eletricista que, suando às bicas, fuçou todas as instalações, subiu no telhado, desparafusou tomadas, puxou cabos e arrancou pregos para descobrir que aquele cabo ultra-mega-putz que tinha colocado ano passado não era assim tão ultra-mega-putz porque tinha enferrujado e se partido em vários lugares pela ação da chuva e do sol (este cabo vai da sala até meu quarto pelo rodapé externo da casa) em menos de um ano. Então, pedindo todo tipo de desculpa e suando ainda mais, correu à loja e comprou um cabo novo e alguns metros de canaleta para protegê-lo da intempérie, instalou tudo numa velocidade digna de um super-herói e... voilá! Hoje já estou com a minha internet funcionando que é uma beleza!... Pode parecer exagero, mas quem tem computador sabe o que é ficar isolada do mundo quando a rede falha, seja porque o cabo é ruim, porque o proveedor é um lixo ou porque a gente fez alguma cagada que desconectou a coisa toda...
    Mas em fim, com tudo voltando ao normal, aquí vai a crônica desta semana:

    É uma coisa que sempre chamou a minha atenção e que não canso de observar: as nuvens mudam de forma e lugar acima das nossas cabeças o tempo todo e nós não nos damos conta e perdemos este espetáculo simplesmente porque não olhamos para o céu. Não somente os nossos pés estão presos ao chão, mas os nossos olhos e pensamentos também. Se prestássemos atenção veríamos por quantas transformações sutis ou dramáticas elas passam e como são belas, efêmeras e brincalhonas!... Ficam cinzentas ou prateadas, alaranjadas e vermelhas quando refletem os raios do sol, ofuscantes quando acolhem a lua, pretas e densas quando estão grávidas de tempestades. Se juntam e se desmancham em apenas alguns minutos, docilmente, segundo a vontade do vento, seu grande companheiro, criando mil fromas fantásticas e instigantes, aparecem em algum lugar, talvez durante a noite, e se esvanecem tão discretamente como chegaram; viram fiapos de algodão, vapor, miragem sobre os campos e as cidades. Amenizam o calor, anunciam a chuva, escondem os picos mais altos e passeiam pelos vales mais profundos e selvagens. Parecem sólidas esculturas e, no entanto, não possuem consistência alguma, são feito miragens, poderosas e frágeis ao mesmo tempo. Nada dizem, porém trazem infinitas mensagens para o homem que sabe como interpretá-las. Às vezes parecem tão próximas que achamos que de um pulo podeíamos tocá-las, mas apesar de todos os nossos esforços e fantasias, não conseguimos alcançá-las e levá-las para casa para fazer uma festa de algodão e esconde-esconde... Mas tudo bem, elas são democráticas e não se importam, pois não têm dono -nem querem ter- então todo mundo pode vê-las e ficar um tempão fazendo lucubrações sobre elas e seu destino ou ponto de origem.
    E eu reflito, enquanto as observo, sentada num banco da praça: Não é a nossa existência, com as suas glórias e misérias, seus monstros e anjos, seus desafios, angústias, milagres, revelações e mistérios, com as suas mudanças, interrogantes e brevidade, semelhante às nuvens? Não são elas, em sua volubilidade, parecidas com nos nossos corações, que num dia estão amando e no seguinte são tomados pelo ódio? Não são estas figuras brancas feito os nossos sonhos, que de repente se desvancem; feito a nossa tristeza, que o vento da fé pode soprar para longe? Não têm esse ar majestoso quando se abrem e revelam o sol, assim como nós que, quando amamos, revelamos o melhor de nós?... Porém, para vê-las é preciso que olhemos para o céu. E para ver a nós mesmos e aos outros é preciso que olhemos para o céu dentro de nós mesmos, pois é ali que jaze a verdadeira forma das nuvens.