quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"Neblina"

    "Outro dia no paraiso", como se diz por aí, e se continua lutando, acreditando, apostando, caminhando de encontro às aventuras e seus desafios, que parecem nao ter fim. Uns sao mais fáceis, outros mais difíceis, mas todos têm de ser encarados e vivenciados da melhor forma possível. É verdade que nem sempre saímos vitoriosos, mas é preferível isto a dizer que nunca tentamos... Ultimamente tenho tido que reunir coragem para abrir algumas portas e enfrentar novas situacoes muito antes do que esperava, mas o esforco está valendo a pena porque está me ensinando de novo a liberdade, a independência, a iniciativa e o prazer de uma nova solidao, desta vez entre meus compatriotas ao invés de num país estranho, o que a torna uma experiência totalmente nova e emocionante pois, apesar de ter referências pouco agradáveis sobre mudancas e entrosamento em ambientes novos, desta vez nao está sendo um processo assustador, mas uma experiência sorpreendente e reveladora, que a cada dia me confirma que fiz o certo e que, finalmente, estou em casa, desta ez para sempre.
    E com este astral cheio de otimismo e esta coragem que há muito nao sentia, aqui vai a crônica desta semana, antes que o mundo acabe!


    Tem dias que comecam estranhos, cinzentos e frios, nos quais parece que nao somos nós mesmos  e nos vemos repentina e insistentemente assaltados por pressentimentos sombrios ou inquietantes, desconcertantes, que nos desestabilizam e nos tiram a vontade de sair de casa e enfrentar o mundo lá fora. Sao dias em que acordamos como que movendo-nos numa espécie de neblina que nos deixa a impressao de que, na verdade, continuamos dormindo...
    Lembro que isto me acontecia na adolescência, nos dias de inverno quando, para chegar na escola, tinha de atravessar um enorme terreno vazio e ele se encontrava totalmente tomado pela neblina da manha. Lembro que ia adentrando nela devagar, enquanto toda a paisagem à minha volta ia sumindo a cada passo, como que engolido por aquela névoa branca e movedica. Eu também via a mim mesma desaparecer, e perdia a nocao de direcao, de tempo, de espaco, de realidade... Era algo realmente surreal... Às vezes vislumbrava ao longe algumas silhuetas -as de outros alunos que também se dirigiam à escola- que me pareciam fantasmas flutuando no meio daquela neblina fria que se mexia feito algo vivo à minha passagem. Quando alcancava o meio do terreno baldio, parava, respirando fundo, e girava sobre mim mesma, com os olhos escancarados e piscando sem parar, mas nao dava para distinguir absolutamente nada. Era tao somente eu no centro daquele oceano branco... Era nesse instante que eu comecava a me perguntar se me encontrava realmente ali ou se continuava dormindo em minha cama e isto nao passava de um sonho desagradável. Tinha receio de continuar avancando porque algo terrível e inesperado poderia surgir desse nada, mas também tinha medo de ficar parada ali, pois tinha a certeza de que seria engolida e desapareceria para sempre dentro daquela panca gasosa.
    Entao, de repente, o sino do colégio comecava a tocar: som vibrante, imperioso, quase celestial, que atravessava feito uma lanca a neblina paralisante e me arrancava do seu feitico. Era o som da realidade chegando até mim, da rotina, da ordem, da lógica... Meus pés tornavam a sentir o chao e, percebendo-o firme, tornava a caminhar, sabendo agora qual direcao seguir, procurando o contorno conhecido da grade e os pavilhoes do colégio, as vozes dos meus colegas, o cheiro do leite com chocolate da merenda, o cumprimento dos professores. O sino  chamava e aos poucos o mundo entrava novamente em seus eixos, o dia retornava à normalidade e tudo acontecia como tinha de ser.
    Quando finalmente atingia os degraus da entrada, me escapava um sorriso de alívio e gratidao, pois agora tinha certeza de que tudo acabaria bem. A travessia tinha chego ao fim.
     Hoje, quando abro os olhos e percebo que é um daqueles dias estranhos nos quais o medo, as dúvidas e a inseguranca comecam a rodear-me feito aquela névoa no campo vazio, respiro fundo e me endireito, procurando imediatamente o som do sino, a chamada firme e clara que me manterá com os pés no chao e a mente focada na realidade, que me porá diante dos pavilhoes da vida, dos quais nao há por que ter medo pois, como na minha época de estudante, sei que ali estao as respostas, as licoes, as descobertas, os mestres, os amigos e os inimigos, as alegrias e as tristezas, os fracasoss e os triunfos que serao a base do nossos futuro. A vida nao tem neblinas nem campos vazios que podem nos fazer acreditar que sonhamos. A vida tem certezas que podemos escolher ou nao, histórias que podemos viver ou nao, encontros que podemos ter ou nao. Os campos vazios e a névoa somos nós mesmos quem os criamos, porém, se procuramos um sino que nos chame em direcao dos contornos daquilo que é verdadeiramente real e importante, com certeza nao permaneceremos muito tempo ali.

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