sábado, 7 de maio de 2011

Dentro desta casca

Bom, só uma gripe daquelas para conseguir me derrubar e impedir de postar a minha crônica da semana passada, mas como já estou restabelecida cá estou, à postos, apesar da cirurgia pela qual passei ontem na cadeira do dentista. A minha boca está parecendo uma paisagem pós-apocaliptica!... Então, como só não sou mais teimosa porque não levanto mais cedo -e olha que levanto cedo!- já estou escrevendo novamente e cheia de idéias para todo tipo de coisas. Amanhã pretendo passar um dia tranquilo com a minha filha -meu filho foi para a casa da namorada passar o dia das mães, já que passou a Páscoa aqui- fazer a minha rotineira visita à feira logo cedo, inventar um almoço legal, à tarde comer algumas porcarias (permitido nos fins de semana) e talvez escrever um pouco e dar banho nas minhas cadelinhas, que estão imundas e fedidas, porém não menos amadas... Acho que boa parte do meu jardim está no pêlo delas.
E vamos à crônica, que já estou com saudades!


    Penso com frequência no corpo, nosso grande mestre, nosso invólucro sagrado, breve e frágil, porém contendo uma preciosa faísca divina que poderia transformá-lo em algo superior e próximo da perfeição. Em minhas aulas eu trabalho com ele a todo instante, o revelo, o interpreto, o coloco diante de caminhos, de opções , de desafios. Conheço as suas dores, seus limites, a sua fragilidade, seus medos e anseios, seus instintos, as suas falas... E, mesmo assim, sempre me espanto ao perceber que dentro desta casca vive algo tão imenso, poderoso, intocável e perfeito, que no espaço que ele ocupa co-existe um outro universo, se ouvem outras vozes e se vêem outras imagens que, às vezes, quando o corpo assim o permite, guiam as ações e anseios dele para um permanente estado de luz e paz.. Vejo este universo paralelo como pontos de união entre o céu e a terra, pois existe algo de humano no espírito e algo de divino na carne. O corpo é a fusão visível entre a  matéria e a alma, o tempo e a eternidade, as definições e a completa liberdade, a fragilidade e a força, a santidade e o pecado, o milagre e a aberração, por isso é um material tão fascinante e complexo de ser trabalhado e conquistado, pois sempre está entre dois abismos quase intransponíveis. O espírito luta constantemente para expressar-se através dele e seus limites e medos, porque esta é a sua missão, mas nem sempre consegue porque, apesar do corpo ser o invólucro que guarda a alma ele é, ao mesmo tempo, seu maior antagonista. Por que este choque? Qual o objetivo? Podemos vencer esta resistência e encontrar a fala fiel do espírito através do corpo? E em qual língua isto seria dito?... Bem,  acho que  cabe a nós passar a vida fazendo esta experiência.
    Curiosamente, ao observar o corpo em movimento inconsciente, sem comandos, intenções ou receios, posso ver a sua divindade aflorando e, logo em seguida, a humanidade se manifestando, como se fosse a primeira vez, através da presença desta dvindade. Este é, eu acho, o paradoxo mais genial da nossa existência, o maior desafio, o novo caminho: encontrar o equilíbrio, a interação, a expressão plena destes dois extremos aparentes... Pois como a miséria pode ser bela quando desperta a nossa compaixão! E como a compaixão pode ser bela quando percebemos a nossa miséria!... Tudo em nós é de dupla mão, uma incorporando à outra, uma completando a outra, lutando e se abraçando, anulando e erguendo, morrendo e ressurgindo mais forte e madura.
    O corpo se despe e nos mostra a alma nua, inocente porém não indefesa. Os olhos fechados nos revelam o rosto em êxtase diante da visão interior... A luta do gesto é a dança da alma e o corpo contraido vai pingando as palavras, as frases, as páginas  da memória ancestral, na linguagem comum a todos os que somos esse corpo humano/divino. Como não entender? Como não aceitar? Como não querer passar pela experiência?...

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