sexta-feira, 6 de abril de 2012

"Grãos bons, grãos ruins"

Agora todos os dias são como feriados!... E é fabuloso, mas por isso mesmo estou tendo que reorganizar a minha vida, porque depois de 25 anos seguidos de trabalho na Fundação, não é tão fácil assim de repente ficar em casa à toa... Acho que vou ter que me cuidar para não começar a ficar preguiçosa, comilona e desleixada! É muito esquisito -mesmo se muito gostoso também- poder ficar em casa à tarde, organizar meu dia como me dê na telha, dispor de todo meu tempo para escrever, escutar música, meditar, caminhar... É uma mudança e tanto, mas como as etapas precisam ser cumpridas para que a minha vida continúe, recomeçe e se renove, o negócio é adaptar-se  e seguir em frente. Já foram duas: primeiro o marido, depois o emprego, a seguir a casa, a terra; amigos, ruas, estações, descobertas, reencontros... O que mais me admira é a coragem que estou tendo para realizar este sonho. Acho que nunca me foquei tanto num objetivo, nunca tive tanta fé, tanta paciência, tanta disposição; nunca estive tão convencida de que uma atitude radical a este extremo valeria a pena. E sei que vai.
    Resta a última parte do plano e, infelizmente, ela não está somente em minhas mãos, então agora só posso esperar e torcer, torcer muito e me manter ativa, interessada, produtiva. Não pretendo começar a me sentir inútil e sem objetivo, como acontece com algumas pessoas depois que param de trabalhar. Não, pelo contrário, agora é o momento de reunir forças, otimismo, saúde física, mental e financeira para dar aquele salto final rumo à felicidade!...

    Sempre me fascinou a destreza e velocidadae com que as donas de casa ou as empregadas conseguem escolher o feijão ou o arroz, separando com firmeza e sem erro os grãos escuros, murchos, quebrados ou manchados dos inteiros e saudáveis em cima de uma mesa limpa. Os olhos nem sempre estão fixos na tarefa, pois parece que elas conseguem sentir na ponta dos dedos o grão defeituoso, então podem conversar, olhar as crianças ou a chaleira  no fogão, escutar a máquina batendo a roupa na área ou o caminhão de lixo aproximando-se pela rua sem perder a eficiência nem a rapidez. Os dedos se mexem, experientes e leves, e o monte de feijão limpo e suculento vai crescendo enquanto um outro menor vai sendo jogado no lixo sem dó, porque elas sabem que grão ruim não presta e que só com os bons é que farão um prato gostoso para o almoço da família...
    E hoje pela manhã, fui eu que sentei na mesa da minha cozinha, toda branca e recém limpa, para realizar esta tarefa que, não sei por quê, tem um quê de terapia relaxante, de serenidade, concentração e simplicidade que parece  afastar todas as preocupações da nossa mente, que só se concentra na inspeção e escolha dos grãos estragados para separá-los dos que vão para a panela... Então, no meio daquela tarefa, e percebendo como é fácil distiguir os grãos danificados dos que prestam, começou a me ocorrer que a gente, na verdade, tem a mesma percepção e eficiência para enxergar e deixar de lado as coisas erradas nesta vida, as nossas próprias faltas, a nossa covardia, nossos medos e atitudes egoístas e mesquinhas. Pois não são elas feito grãos que não prestam para se fazer um prato de comida? E assim como podemos escolher e jogar fora aqueles e ficar somente com os bons, que nos alimentarão e nos darão força, ajudando-nos a crescer e nos desenvolver fisica e mentalmente, acho que podemos também aprender a distinguir e separar o que nos faz mal, o que nos afasta do bom caminho, da partilha, da compaixão, da compreensão. E o melhor é que deste jeito não alimentaremos somente o nosso próprio coração com boa comida, mas também alimentaremos o dos outros que, com certeza, vão querer repetir o prato e até aprender a receita!...

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