segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Pipas esquecidas

Faço todos os dias o mesmo percurso, mas nunca tinha olhado para a copa daquela árvore, hoje nua por causa da poda de inverno; talvez por isso pouco atraente para mim... Vinha caminhando, sentindo o vento refrescar meu corpo úmido de suor, quando um barulho diferente me fez diminuir a marcha. Olhei em volta, procurando descobrir a sua procedência, pois naquela hora da tarde destacava-se entre os murmúrios da rua, que se preparava preguiçosamente para o janar. Tentei identificar o som, pois não me era estranho.
Então, percebi que ele vinha do alto, de algum lugar bem em cima de mim. Parei e ergui o olhar. Ali estava: a pipa colorida, novinha, enroscada entre os galhos pelados da árore e os fios de alta-tensão. Sua rabiola de franjas debatia-se furiosamente sob o impulso do vento enquanto a pipa parecia tremer, em desespero, produzindo aquele som que chamara a minha atenção.
Fiquei um momento a contemplá-la. Um pedaço de linha ainda pendia dela, enroscada na árvore... E de pronto aquela sensação de tristeza foi tomando conta de mim. Aquela pipa deveria estar no céu, dançando e fazendo piruetas, desafiando o vento para subir mais e mais alto, fazendo a alegria de alguma criança! E, no entanto, alguma fatalidade tinha-a derrubado, condenando-a a morrer ali, presa entre os galhos e os fios.... Mesmo assim, ainda se debatia, em vão, e reagia às rajadas de vento como se não acreditassse que estava presa...
Meu coração encolheu-se, angustiado, ao ver este quadro, pois de repente me pareceu a representação dos nossos sonhos, às vezes arrastrados por maus ventos e jogados ao chão, ou no meio dos galhos das árvores, dos fios elétricos, detidos em sua ascenção, chorados, mas finalmente esquecidos à intempérie até perderem as cores, até o papel rasgar e se desfazer, restando tão só o esqueleto de varetas... Pois sempre fica esta triste armação resistindo, como que dizendo que ainda serve, que se alguém a resgatar e colar nela um novo papel e uma nova rabiola ainda será capaz de elevar-se e desafiar o vento, de arrancar o sorriso de uma criança...
Assim, a pipa me trazia a imagem dos sonhos que, apesar de abandonados porque sofreram um revés, persistem em algum lugar dentro de nós, como o esqueleto de varetas que nos convida a colar nele novos papéis coloridos, a caprichar numa cauda comprida, a comprar uma outra linha, mais resistente, a melhorar nossas habilidades e a lançá-la de novo ao vento...
Nunca é tarde para os nossos sonhos, mesmo se quem sonhou já ão é o mesmo de quando os sonhou. Mas quantos deles ficam assim, feito aquela pipa, enroscados, abandonados! Teria de se subir na árvore e libertá-los ao invés de virar-lhes as costas e desistir deles. Outra chance. Um novo esforço. Alguns arranhões. Muito, muito cuidado. Pois os sonhos deveriam ter infinitas chances.

3 comentários:

Fernanda Fernandes Fontes disse...

Olá.

Vi seu perfil e me identifiquei muito com ele. Resolvi então ler suas letras...e não é q me vi aqui novamente?

Adorei a forma como conectou a idéia da pipa com os sonhos, com os desejos..gosto destas relações, nos fazz visualizar melhor uma situação.

E sim, que hajam mais chances 'as concretizações dos sonhos...

Passa lá para ver minhas linhas..

http://degustacaoliteraria.blogspot.com/

Abraços e sucesso!

Paz Aldunate - Palavras disse...

Cara Fernanda:
Não sabe como fiquei feliz ao ver seu comentário, e mais feliz ainda ao saber o quanto se identifica com meus textos!... Pois esse é exatamente o motivo que me levou a abrir este blog: dar às pessoas a oportunidade de se sentirem identificadas, consoladas, inspiradas, de fazê-las refetir, perceber as coisas e as pessoas ao seu redor e, quem sabe, mudar o jeito de agir para melhorar este nosso mundo que anda tão conturbado... Às vezes, reparar num detalhe pode fazer toda a diferença, acredite. Grandes segredos e respostas se escondem em sua aparente insignificância!
Obrigado por me visitar, espero que continue fazendo-o e que as minhas crônicas lhe façam algum bem. Já anotei seu endereço para visitá-lo também.
Um abração!
PAZ

D Z disse...

Oi Paz,

Sabe, lendo seu texto, lembrei de quando era criança e corria atrás de pipa na rua com os meninos. Na rua de casa tem fios de energia por todos os lados, mas mesmo assim, insistíamos em soltar pipas e é claro, sempre acontecia de perdemos algumas para os fios...

E que relação fantástica vc criou entre as pipas esquecidas nos fios e árvores e os nossos sonhos... Adorei!

Quero aproveitar para agradecer a visita, fiquei muito contente quando vi seu comentário e as suas gentis palavras... Sabe, é tão bom quando as pessoas nos oferecem palavras de incentivos, isso nos fortalece para irmos em busca dos nossos sonhos...

Obrigada!

E sobre os leitores, aprendi navegando pela net, que um pouquinho de propaganda ajuda rsrs

Vc escreve muito bem e assim que lhe descobrirem, com certeza terá muitos leitores...

Fique com Deus!

Uma ótima semana para vc!

Bjsssssssssssss

Dany Z.