sexta-feira, 17 de julho de 2009

O melhor amigo

Esta semana andei vendo algumas coisas que me deixaram tão revoltada que decidi escrevê-las aqui ao invés de sair por aí atirando pedras em alguns monstros... E acreditem, como tem destes monstros! Pois da mesma forma em que tenho meu altar de santinhos anônimos, também tenho um purgatório destas criaturas desprezíveis que mereceriam uma boa punição para ver se aprendem -ou voltam- a ser pessoas com um coração batendo no peito... Julguem vocês mesmos e pensem em quantas vezes já se depararam com o que vou descrever nesta crônica.

Se existe uma coisa que me revolta além de qualquer limite ou descrição, é o fato de ver um cachorro preso ou, pior ainda, quando está preso em condições miseráveis.. Corrente enferrujada de mais ou menos um metro de comprimento enroscada num poste do quintal pelado, sem nenhuma sombra para se proteger no calor escaldante do verão ou nenhum abrigo contra o frio e a chuva do inverno, sem bacia com água ou comida, só restos azedos e infestados de formigas esparramados no chão, e o cachorro ali, refém, sob o sol, na chuva, no frio, impossibilitado de se movimentar, de mudar, de escapar à tortura da intempérie, da sede e da fome, da ausência de uma voz amiga ou de um afago. Liberdade tolhida pelo capricho desumano daquele que se diz seu dono, seu melhor amigo...
Corrente presa num arame de aço rente ao muro áspero e quente que atravessa uma parte do quintal, já imunda pelas fezes e a urina do animal, e o cão resignado, deitado em cima da sua própria porcaria, ou então fazendo infinitas, desesperadas vezes aquele mesmo percurso, sem nenhuma outra opção, moendo a grama ou descascando a tinta ou o cimento do chão em seu interminável ir e vir sem perspectivas. E o dono ainda se acha bondoso e justo por deixar-lhe aquele mísero circuito para esticar as patas...
Cachorro que come restos estragados, frios, ossos pelados ou nacos de gordura, sopa de pão; que tem a pelagem infestada de carrapatos e pulgas, de barro e carrapichos e feridas no pescoço de tanto puxar a corrente, os pêlos grudentos por falta de um banho, que mostra as costelas e a barriga funda como testemunho acusador da falta de cuidado...
Correntes, grades, arames, postes, barro, lixo, fome, sede, exploração... e o cão ali, obediente e leal, resignado, ignorante da crueldade da qual é vítima -pois não conhece outra vida- submisso, ainda abanando o rabo para o monstro que tem a coragem de se auto-denominar seu dono e que só o liberta do seu jugo à noite, para que vigie o quintal e afaste qualquer ameaça que possa se aproximar da sua família e seus bens. Deixa-o à mingua de alimento e carinho para aumentar a sua ferocidade e ainda o maltrata de mil maneiras sutis para torná-lo agressivo e desconfiado, achando que assim terá um verdadeiro e eficiente cão de guarda...
Cachorros abandonados sem remorso em rodovias e ruas afastadas, em datas vazias, dentro de sacos plásticos de lixo amarrados para que não possam escapar e retornar para casa. Cães maltratados, castigados, esquecidos, afastados da noite para o dia das famílias que os adotaram porque cresceram demais, são bagunceiros ou têm muita vacina para tomar, porque precisam de um passeio e de um banho de vez em quando, porque foram provocados e deram uma boa mordida no agressor, porque ficaram feios ou doentes, sofreram algum acidente e precisam de cuidados para se recuperarem, porque estão velhos e achacosos, não brincam nem cuidam mais da casa direito, porque espalham pêlos, porque latem, cavam buracos ou comem as orquídeas... ou, a pior e mais cruel das razões: porque o dono, simplesmente, cansou dele e assinou a sua sentença de morte sem sequer piscar...
E mesmo assim, até o último instante, estes animais continuam fiéis e amorosos com seus algozes. É inacreditável como seu afeto vai além de todos os descasos, maus tratos, caprichos e privações absurdas às quais são submetidos, isto sem que seus donos tomem o menor conhecimento desta proeza...
E eu me pergunto: será que o nosso amor resistiria a tanto? Será que perseverariamos em nossa fidelidade, obediência, alegria ou cumplicidade desinteressada se recebéssemos tal tratamento? Poderiamos ter esse olhar de amor sincero e incondicional durante anos e anos ao encarar alguém que mais parece o nosso carcereiro? Poderiamos ser companheiros solidários do nosso inimigo, lamber a sua mão e abanar o rabo toda vez que ele aparecesse, mesmo que fosse para botar uma corrente em nosso pescoço ou acertar-nos com a vassoura ou o chinelo?... Acredito que isto seria impossível, não só porque temos o raciocínio e o bom senso suficientes como para nos afastar de pessoas assim, mas porque os humanos não maltratam tanto quem amam quanto maltratam um cachorro que os ama.

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