segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Pátria

Esta semana estou emprestando o computador da sala dos professores da fundação para postar as minhas crônicas, pois o monitor do meu computador queimou sábado de manhã, bem na hora em que sentei para escrever. Fez um barulho tão terrível que pensei que iria explodir e pegar fogo!... Levei para consertar de imediato, mas estou achando que não tem salvação, pois é muuuuito velho; então acho que terei que comprar um novo monitor (coisa que, é claro, não está em meu orçamento) Em todo caso, enquanto isto não acontece, acho que vou me aproveitar da pouca boa vontade do pessoal da fundação e vou continuar postando as crônicas desde este computador. Só espero que isto não me custe caro...
E sem mais delongas, porque acá existe um horário de funcionamento, aqui vai a desta semana:

De longe dá para ouvir as suas vozes, mesmo se estão falando num tom baixo, cabeças inclinadas uma para a outra, corpos miúdos muito perto, risinhos e mais comentários... As duas senhoras japonesas, olhadas assim, conversando na calçada diante do portão da casa, vassoura na mão de uma e sacola de compras na mão da outra, parecem não estar realmente aqui, nesta cidade, neste país. Parece que aqueles sons esquisitos e entrecortados que saem dos seus lábios finos as transportam instantaneamente para a sua terra natal, para outras épocas, para outra cultura. Sentem-se em casa toda vez que se expressam em sua língua materna, esquecendo por alguns minutos que são estrangeiras e que uma distância assustadoramente grande as separa do seu lar... Conheço as duas, pois costumo encontrá-las com freqüência durante as minhas caminhadas matinais -hora em que elas vão para a academia- ou quando vou ao mercado, que todas as terças e quintas oferece uma aula de alongamento para a terceira idade. Lá estão elas, sempre juntas, rindo e conversando feito duas gueixas, uma muito magra e de corpo já vergado pelos anos, sempre apoiada em sua bengala, e a outra, baixinha e rechonchuda, faladeira e risonha. Fico admirada ao perceber como, apesar de estarem tão bem integradas ao resto das senhoras brasileiras que vão à aula, de alguma forma mantêm um tipo bem definido de fronteira, de limite que as outras não conseguem ultrapassar. Há algo especial, secreto, só delas, que as diferencia e as separa deste universo onde o resto dos não-japoneses habita, e esta percepção fica mais acentuada quando vários deles se reúnem em algum local... Cria-se então uma atmosfera toda especial e nós, os de fora, conseguimos vislumbrar algo do seu mundo, da sua herança, do seu comportamento natural, ancestral. Chegam até nós os ecos de uma história muito antiga, de costumes milenares que até hoje são consideradas leis e respeitadas como tais, especialmente pelos mais velhos. De alguma forma indefinida, porém muito clara, a sua força anos toca, nos transpassa e nos impõe respeito. Porém, o mais curioso é que, diante deles nós é que, repentinamente, nos sentimos estrangeiros, tal a força da pátria que eles trazem consigo e cultivam neste solo estranho.
E ao perceber esta força, esta espécie de recriação da terra mãe quando se reúnem, ou mesmo estando sozinhos, me pergunto se com todos os estrangeiros acontece a mesma coisa ou se são estes japoneses que possuem algum tipo de poder especial para fazer isto acontecer. Será que eu própria conservo a idiossincrasia, o idioma, os costumes, as paisagens, sons e cheiros do meu país com força suficiente como para que ele se manifeste com semelhante clareza diante dos outros? Será que, se nos reunirmos, conseguiríamos recriar a nossa pátria só com o poder do nosso amor por ela?... Quando é que somos, realmente, estrangeiros?... Eu acho que se pudermos levar conosco a essência do nosso país, mesmo aos lugares mais distantes e diferentes, nunca iremos nos sentir como tais, pois seremos capazes de nos integrar à cultura e linguagem de outros e ao mesmo tempo conservar as nossas raízes, que serão alimentadas justamente com a recriação constante da terra natal em nossa fala, nossas ações e pensamentos, no cenário no qual nos movemos, no tratamento dispensado aos outros. Tudo em nós pode mostrar quem somos e de onde procedemos, sem por isso agredir a terra que gentilmente nos acolhe.
Acho que estrangeiro é, realmente, aquele que esqueceu a sua pátria e não se adaptou à nova terra, ficando assim numa espécie de limbo cultural e afetivo no qual sente-se agredido e abandonado, sem um porto onde atracar, um rumo para seguir, alguém a quem acudir.
Podemos viver nestes dois lugares ao mesmo tempo, sem prejuízo para nenhum deles, porque o que está no coração não atrapalha o que está fora dele, ao contrário, só o enriquece.

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