quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Família

Esta semana estou adiantando as coisas porque amanhã vou para o apartamento da minha filha e ela não tem computador. Vou pousar lá porque no sábado às 5 da manhã precisamos estar no aeroporto (o que significa acordar lá pelas 3  e meia ou 4 da madrugada... Ninguém merece!) para pegar o vôo das 6 para Porto Alegre, onde temos marcada uma hora no consulado chileno para, finalmente, solucionar o  problema dos meus documentos roubados há mais de um ano. Confesso que fiquei bastante tempo esperano algum tipo de milagre ao respeito, mas como nada aconteceu, a coisa é pegar o avião e aterrisar no consulado para começar os infindáveis e caros processos burocráicos que me darão direito à segunda via das minhas identidades chilena e brasileira, assim como ao passaporte, uma certidão consular e alguns protocolos que agirão no lugar dos documentos até eu recebê-los... É inacreditável como este país é burocrata até o último fio de cabelo! Parece que, ao invés de facilitar a vida da gente, só elaboram papelada para deixarnos loucos e arruinados!...
Mas, em fim, acho que pelo menos vamos disfrutar de um belo espetáculo no avião (se eu não capotar feito um tronco, claro): a saída do sol...
Então, desta vez adiantada, aqui vai a crônica.


    Acho incrível, espantoso, admirável e heróico o fato do homem fazer de tudo para constituir uma família, um núcleo de pessoas que possa chamar de "suas". Fico observando ao meu redor: pais, mães, filhos, avós, tios, irmãos. Uma, duas, até tres ou quatro gerações passando tradições, histórias, experiências, lições que não têm preço, tudo para sobreviver, para deixar um legado pessoal, um rastro que outros possam encontrar. Os seres humanos se procuram, se encontram, se fusionam, se multiplicam vencendo qualquer barreira  ou empecilho, apesar das desgraças, das guerras e pestes, da fome, da pobreza, da ignorância. Um dia acordam e decidem tornar-se responsáveis por outros, decidem que chegou a hora de gerar novos seres humanos que herdarão seus bens materiais e espirituais, que darão continuidade ao seu nome e lhe oferecerão a ilusão da imortalidade. Seres que, por sua vez, repetirão este processo e darão continuação à espécie, ao legado, à história... E assim, alimentam-nas, vestem-nas, educam-nas, protegem-nas, cada qual de um jeito diferente, porém sempre marcado pela visceralidade, pelo instinto quase  animal... E eu me pergunto: en que momento ele toma esta decisão e começa a sua procura? Por quê? É algo inevitável, superior à lógica, à praticidade, à sobrevivência? É um instinto que já vem em seu DNA? É a expressão da sua ânsia por imortalidade? É parte do seu destino?... É verdade que nem sempre escolhe certo -na verdade, quase sempre opta erradamente- mas o faz, nada o detém, e vai em frente, assume, se entrega, vai à luta e junta os escolhidos e os gerados em sua volta, sob as suas asas protetoras e tenta traçar seus destinos, transmitir-lhes o que sabe, se perpetuar, perpetuar a raça, a tradição, o sangue, a sua linguagem peculiar, seus processos e conclusões;  tenta deixar algo impresso na brevidade do seu tempo de existência para assim dar-lhe um sentido, um propósito, para fazer alguma diferença. Ele se joga, se mistura, partilha, depende, interfere, forma sociedades, cria leis, descobre curas e venenos, mas no fundo continua sozinho... E ele tem conscência disto. Talvez este seja o maior motivo dele desejar com tanto afinco formar esta família, para sentir-se seguro, parte de algo maior, para poder compartir suas experiências e a sua sabedoria, porque ele sabe que é único e insubstituível, que não existe outro com as suas características, qualidades estas que lhe conferem um papel absolutamente pessoal na história da humanidade e que precisa assumir e cumprir para que os acontecimentos aos que está destinado se desenrolem. Ele próprio é só um elo, um complemento de todos os outros, que também possuem seus próprios papéis para desempenhar neste quebra-cabeças universal. No entanto, ele pressente que não esá somente unido à família que ele cria por opção, mas que, de um jeito diferente e igualmente forte e profundo, também está ligado a tudo que existe. Disto, infelizmente, tem pouca ou quase nenhuma consciênca, mas certamente faz parte do infinito que habita dentro dele e daquele no qual se movimenta e ao qual, no fim,  sempre precisará retornar.
    Acho que esta é, no fundo, a sua interminável busca, que ele concretiza no conceito de descendência, de legado, pois de alguma forma -nem que seja no DNA- ele almeja regressar ao seu ponto de partida e sabe que a duração da sua vida terrena não será o suficiente para que isto aconteça. Este infinito não é somente material, carnal, mas também -e principalmente,dada a nossa brevidade e fragilidade biológica- espiritual. É o que verdadeiramente nos perpetuará... Pais, irmãos, filhos todos somos, mas não só daqueles que pertencem a nossa familia, mas também destes outros que não conhecemos e de outros que não chegaremos a conhecer. Somos parentes da história, de cada capítulo, de todos seus personagens. Somos parte de um todo que não tem passado, presente ou futuro, por isso somos únicos e tão importantes e por isso carregamos essa sensação de solidão que nada mitiga. Nossa participação na história é vital, pois somos tudo e todos, com peças de um mosaico divino que estão aqui com um propósito determinado. Ninguém pode fazer a nossa parte, pois somos os únicos responsáveis pelo que nos toca e pelo sucesso ou fracasso da nsosa empreitada, não importa quão difícil possa parecer-nos algumas vezes. Quando isto acontecer, devemos lembrar que sempre nos é dado  tão somente o peso que somos capazes de suportar -e que às vezes é bem mais do que supunhamos- e que dependendo do nosso exemplo, nossos filhos, netos, sobrinhos, irmãos e todos os que virão depois de nós, se tornarão capazes de fazer as coisas ainda melhores.

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