sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O encontro

    Ainda bem que, mesmo tendo voltado ao trabalho, as coisas por enquanto estão calmas e tenho tempo disponível para escrever, além dos finais de semana. Ontem tivemos a primeira apresentação do musical deste ano e, graças à Deus, foi mais um absoluto sucesso. Como é bom ver o público emocionado, envolvido, entregue à história que transcorre no palco! Vê-los aplaudir em pé, então, é melhor ainda!... Todas as vezes acontece a mesma coisa e todas as vezes parece que meu coração vai explodir de tanta felicidade e orgulho pelo trabalho dos meus alunos. Eles são mesmo sensacionais!... Posso afirmar que esta foi uma volta triunfal, com certeza!
    Bom, então aproveitando este mês e meio de horários "normais", que a mim parecem esquisitos (estou chegando em casa às 18:00!!!) vou botar em dia alguns apontamentos que ficaram para atrás no meio daquela loucura que foi o fim do ano passado e também manter meus blogs decentemente atualizados, incluindo o "estórias". Já preparo novos contos para vocês, mas antes preciso terminar de postar o final de "Silvestre" em espanhol, porque dei preferência ao português e até hoje não tive tempo de postar a versão em espanhol, então acho que vou passar uma parte do meu tempo fazendo isto, caso contrário, meus leitores hispanos vão desistir de mim!.
     E agora, a crônica da semana. Espero que gostem!


    Estando uma manhã deitada na minha esteira na praia, sempre atenta a tudo e a todos à minha volta, observei um fato interessante, que me fez refletir sobre muita coisa e mudar alguns conceitos. Foi algo como uma profecia, e acho que vai levar um bom tempo para me esquecer dela.
    De um extremo da areia se aproximava um casal de idosos, ela segurando delicadamente o braço do esposo -que parecia ter sido vítima de algum tipo de acidente vascular que o tinha deixado com o lado esquerdo do corpo quase paralisado- e conversando animadamente com ele, a cabeça branca e despenteada protegida por um florido chapéu de palha e uma saída de banho listrada que dançava em sua volta sob o impulso do vento marinho. Ele trajava bermuda e uma camiseta com uma grande estampa de veleiros no pôr-de-sol, chapéu de lona e óculos escuros. Caminhava muito devagar, com grande dificuldade, amparando-se no braço firme e bronzeado da mulher e numa bengala de metal. Ambos eram de bastante idade, mas ali na beira da água, de repente, sem explicação, tinham-se tornado duas crianças maravilhadas que estavam descobrindo pela primeira vez aquele universo de ondas azuis e brincalhonas e areia aveludada, daquele vento que desordenavaas suas roupas e cabelos como se estivesse brincando de pega-pega. Ela falava constantemente, mostrando para ele as gaivotas no céu, os barcos coloridos e barulhentos ao longe, os peixinhos na água  rasa e cristalina, as impressionantes e ousadas mansões que pareciam flutuar nas íngremes encostas de rochas esverdeadas e lilás, as misteriosas ilhotas distantes onde nadavam os golfinhos... E ele, sorridente e de boca aberta, se esforçava para acompanhar, enxergar e desfutar tudo aquilo que ela lhe descrevia, apesar de toda a sua dificuldade.
    Então, olhando em direção ao outro extremo da praia, avistei doi meninos, de uns seis ou oito anos, corpos esguios e morenos, cabelos revoltos e calções cheios de desenhos coloridos, vindo de encontro dos idosos. O maior segurava carinhosa, porém firmemente, a mão do pequeno, que quase não conseguia conter a sua emoção, mostrando-se totalmente encantado com o ir e vir das ondas que pareciam, primeiro, querer devorá-lo, e em seguida fugiam, fazendo espuma e buracos na areia. O menino gritava e pulava, apontava com o dedo ora para o mar, onde os barquinhos passeavam preguiçosamente, cheios de bandeirinhas e gente acenando, ora para o céu, onde as gaivotas pairavam quase magicamente e pipas das formas e cores mais extravagantes piruetavam, deixando um rastro de luz e movimento com suas rabiolas de franjas... Sorrindo com um quê daquela indulgência de quem já conhece o mundo e suas maravilhas, o menino mais velho olhava para tudo com ar complacente, mas dava para perceber que não conseguia evitar sentir-se contagiado pela empolgação do pequeno... Ao se aproximarem, pude escutar o que falava para o outro e, curiosamente, lhe mostrava as mesmas coisas que a mulher mostrava para o homem, e o menininho parecia igualmente fascinado por tudo aquilo.
    Num certo momento, como tinha que acontecer, os quatro cruzaram-se, sem perceber, e ficaram uns do lado dos outros por alguns instantes, rindo e conversando, contemplando aquela imensidão azul em perpétuo movimento... Em seguida, cada dupla continuou a sua caminhada em direções opostas, afastando-se devagar...
    Eu fiquei completamente fascinada pelo que acabara de presenciar, pois parecia algo pré-concebido, uma cena de algum filme, talvez de uma propaganda de televisão. Mil pensamentos vieram à minha cabeça e tive de sentar e respirar fundo para tentar colocá-los em ordem e chegar a algumas conclusões, porque para mim era óbvio que aquela visão não tinha sido uma mera coincidência.. Olhei em volta, expectante. Será que mais alguém havia reparado naquele encontro? Ou aquilo tinha sido um presente só para mim?.. Bom, como se diz: "Quem tem olhos, que veja", não é mesmo?... Ainda dei uma olhada para as quatro silhuetas que se afastavam vagarosamente e pensei: "Aqueles que se encontram nos dois extremos da existência-os idosos e as crianças- encantam-se com as mesmas coisas, estão sempre redescobrindo e sentindo o mundo, experimentando a criação, aproximando-se e interagindo com ela. Uns porque ainda são inocentes, os outros porque deixaram para atrás as miragens e futilidades que regem a vida dos jovens. Ambos sentem e expressam sem disfarces, com uma honestidade e ousadia que é só deles; algo que nós, que estamos no meio do caminho, perdemos ao longo do pecorrido. A velhice e a infância encontram-se com muita mais freqüência do que imaginamos, se cruzam, se enleiam harmoniosamente (por isso os netos são tão ligados os avós) e partilham experiências reveladoras, únicas, mesmo indo em direções opostas. O que os atrai e os une é a simplicidade, a procura pela gratificação, pela companhia descompromissada, o interesse pelo aprendizado -no caso da criança- e pelo legado da experiência - no caso dos idosos.
    Então pemsei, enquanto as quatro figuras desapareciam da minha vista, misturando-se à multidão colorida e barulhenta que invadira aos poucos a praia com seus guarda-sóis, suas toalhas e barracas berrantes, seus sons, lanches e brinquedos: "Mas qual deve ser a direção de uma vida? Onde podemos conduzi-la com as nossas decisões e ações? Será que podemos mantê-la sempre perto da sinceridade e da transparência da infância, porém  norteada pela sabedoria e a serenidade da velhice? Podemos conservá-la sempre em movimento, em crescimento, em transformação? Podemos torná-la criativa, útil, fazer dela um exemplo, uma inspiração para os outros? Será que seríamos capazes de preservá-la da poluição social e consumista que devasta nosso mundo, nossa personalidade e nossa auto-estima, da ambição que nos devora e nos desvia dos nossos verdadeiros sonhos e esmaga a nossa fé? Será que poderíamos conservá-la pura e simples, vivê-la segundo o plano de Deus, cumprir a nossa missão sem iludir-nos nem amedrontar-nos com as aparências?...
    Fechando os olhos para receber o sol na face, me perguntei quantas vezes o ancião e a criança se cruzam ao longo das nossas vidas e quanto proveito tiramos destes encontros mágicos, únicos, destas lições que somente eles podem nos ensinar. Porque todos carregamos um ancião e uma criança dentro de nós, independentmente da idade biológica que tenhamos, e acho que às vezes nos faria muito bem parar em alguma praia para observá-los e escutar o que têm para nos dizer.

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