sexta-feira, 10 de junho de 2011

A nossa melodia

Hoje estou excepcionalmente folgada com todo esse negócio do cancelamento das apresentações do musical até setembro -se tudo der certo e encontrarmos um punhado de super-atores e bailarinos, coisa que duvido muito- e neste fim de semana também estarei mais descansada porque só terei de apresentar a nossa pequena peça da festa junina no domingo às 14:00 h. e em seguida poderei voltar para casa e assistir a final de "So you think you can dance" com a minha filha... Agora, acho que à partir de segunda começa esta nova e estressante maratona da remontagem do espetáculo com a escolha do novo elenco, os ensaios, as leituras, as provas de figurino e maquiagem, os consertos do cenário e aqueles horários absurdos  que deixam a minha glicemia de cabelo em pé. Vou ter de me organizar muito bem para que a minha saúde não pague o pato por toda esta correria! Como vou viajar para o Chile em julho, meu chefe quer que tudo esteja meio encaminado para que assim ele possa continuar os ensaios sem muitos problemas até eu retornar... Bom, tomara que consigamos este feito, mas eu já o alertei sobre o risco da coisa não ficar pronta (quer dizer, um espetáculo com qualidade e segurança) na data planejada, portanto espero que se as coisas não saírem como esperado, ninguém caia matando em cima de mim... porque "quem avisa, amigo é", né?...
   Mas agora, enquanto as coisas estão sob controle, serenas e claras, vou aproveitar para postar não uma, mas duas crônicas. Na verdade, estava lendo meu diário para escolher a desta semana quando me deparei com dois textos que falam de coisas parecidas e não são muito longos, então decidi juntá-los num só porque acho que valem a pena de serem lidos  e separados iriam ficar curtos demais. Então, aqui vai a crônica desta semana: duas em uma.


   Nós todos possuímos a nossa melodia pessoal, única, original e intransferível, como o tenho comprovado durante as aulas, e ela está sempre ecoando dentro de nós, dando o ritmo e o tom às nossas ações e sensações, às nossas decisões e movimentos, às nossas palavras e gestos. É feito a nossa marca registrada, que nos proporciona um carisma absolutamente original. O corpo vibra ao compasso desta música intraduzível, que só é ouvida quando se faz o completo silêncio interior, e que provém dos sons que escutamos durante a nossa gestação biológica e espiritual. Ela é a lembrança do nosso lar, do âmago da vida, do útero humano e divino onde fomos gerados e desde o qual fomos lançados nesta vida. É o som da criação humana e sobrenatural à qual pertencemos, das nossas primeiras memórias, e quando conseguimos ouvi-lo e expressá-lo de alguma forma, passamos a interpretar a nossa parte na sinfonía universal, adquirimos a capacidade especial de comunicar-nos diretamente com a história, pois esta melodía não é somente música, mas uma espécie de lei cósmica em ação que pode nos transformar numa só expressão... Acredito que estas são as notas do amor eterno e absoluto e que, por isso, todas as nossas melodias juntas conformam o cántico da vida.
    Por isto mesmo, às vezes me pergunto, obervando alguns dos meus alunos durante um exercício de dança espontânea, até onde somos capazes de perceber, de experimentar, de mergulhar no que somos essencialmente e até que ponto nosso corpo consegue traduzir, através do movimento, dos sons e da criação em toda a sua diversidade, esta percepção. Quantas linguagens podem ser utilizadas para este fim? Até que ponto nos arriscaremos para sermos fiéis às descoberas a conclusões às quais chegamos?... Tudo em nós é feito de percepções intuitivas, intlectuais, espirituais e viscerais, são movimentos internos e externos, dos membros e do intelecto, dos órgãos, dos sentidos naturais e sobrenaturais; então, como exteriorizá-los de uma maneira compreensível e aceitável -no nosso caso, para o público-?... Pensamento, criação, ação no tempo e no espaço, entrega a docilidade, respiração, deslocamento, conclusões, anulação e integração, quebre de limites. O olhar, o cérebro, o coração, os músculos, a consciência; matéria e espírito se misturam durante esta dança que é a existência,  tornam-se uma só fala e coisas que normalmente não enxergamos aparecem diante de nós, tão reais quanto o chão que pisamos ou a roupa que vestimos, através do movimento e do som. O corpo espelha a percepção intelectual, visceral e espiritual e em algum momento perde a noção dos seus limites, o que o empurra a derrubar os limites dos outros e se fazer um com eles. Passa a conter e expressar o abstrato, o ilimitado, o que não tem forma nem voz mas faz parte indivisível da nossa existência. O diálogo com o público ultrapassa a superfície do estético consciente e atinge um plano tão sutil e íntimo que não é mais possível traduzir. Se faz então o silêncio mais absoluto e pleno entre dançarino e platéia e todos ficam ao mesmo tempo isolados e profundamente ligados. A linguagem é pura, direta, pois fala-se de ser humano para ser humano, no que eles têm de mais verdadeiro e único: a sua humanidade.

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