Aproveitando este dia chuvoso do lado do aquecedor, vou sentar para escrever, pois já tenho algunos outros contos na cabeca. Hoje haverao outros três para que vocês também sentem junto do aquecedor para ler, acompanhados de uma xícara de chá quentindo e umas torradas. Vao à pazaldunate-estorias.blogspot.com e curtam!
E agora, aqui vai a crônica da semana, um pouco mais longa do que o usual, mas acho que deve ser o frío e a chuva que me inspiram...
E no fim das contas, era só fachada... Mas quando eu passava, dois ou três quarteiroes mais embaixo, e olhava para ela, era mesmo impressionante com as suas duas torres coloniais e seu campanário coroado pela bela cruz de metal trabalhado. Devia ser uma coisa linda por dentro, cheia de relíquias, conservada como patrimonio histórico da cidade, com lajotas, pilares, altares e estátuas originais. Talvez até tivesse um daqueles púlpitos de madeira esculpida e o teto pintado à mao... Todas as vezes que passava pela esquina e distinguia suas torres ao fundo, orgulhosas e imponentes entre os prédios modernos e o tráfego ensurdecedor, dizia pra mim mesma que planejaria uma visita especial, com tempo suficiente para curtir cada canto e até tirar algumas fotos para postar no face e mostrar para meus amigos as belezas bem conservadas de Santiago.
Demorei, mas finalmente me organizei, fiz a soneca mais curta e fui conhecer a igreja de Santa Ana. Devia ser importante, pois até uma estacao do metrô tinham construido ali, com uma saída para a porta do átrio da igreja!... Quando cheguei, me encontrei com uma simpática pracinha junto do pátio da paróquia, cercado por uma grade verde. Vendo-a assim, mais de perto, parecia bem maltratada, com a pintura descascada e as paredes enferrujadas. A porta pela qual entrei estava opaca e cheia de arranhados, meio torta. Talvez estaba meio descuidada porque era uma porta lateral, pensei, enquanto adentrava, finalmente, naquele baú de tesouros.
Mas que decepcao tive!... Por dentro dava a impressao que a gente tinha entrado no lugar errado... Nao tinha nada, nem estátuas de santos, nem altares, pinturas ou candelabros, nao tinha púlpito, obras de arte no teto, colunas esculpidas, lajotas originais... Apenas bancos de madeira tosca, altares vazios, quebrados, parches de gesso branco nas paredes, fios elétricos cruzando o corredor central, umas luzes improvisadas que lhe davam um ar tétrico ao recinto. Nao tinha um altar-mor com um crucifixo ou alguma imagem sagrada, só um balcao rústico com um pano branco ordinário, sem bordados, sem flores, e no fundo, um muro de madeira beige que nao chegava ao teto -onde estava colado um cartaz sobre as missoes e as férias. Atrás, aparecia uma rede preta cobrindo o espaco entre a parede de compensado e a cúpula. Mais atrás, as silhuetas de alguns andaimes... Eu estava desolada, porém, ao perceber os andaimes e as armacoes de metal me dei conta de que estavam consertando a igreja, entao talvez todo aquele vazio, aquela bagunca e precariedade se debessem a isto. Nao era o momento de fazer uma visita, de pretender encontrar beleza, história, arte. Teria de aguardar um pouco e, apesar da decepcao, saí dali pensando que, com certeza valeria a pena e toda esta feiúra seria esquecida quando o trabalho estivesse acabado.
Porém, também sai dali refletindo sobre outras coisas. Às vezes nao tem pessoas que sao parecidas com esta igreja? Uma fachada imponente, porém com o interior vazio e cheio de remendos, lúgubre, sem nada a oferecer a nao ser o básico?... Que decepcao levamos entao! Damos meia volta e abandonamos essa pessoa, sem pensar que -como a igreja de Santa Ana- ela poderia ter conserto, poderia ficar bela e aconchegante. Tudo isto se alguém decidisse investir nesta remodelacao. As pessoas às vezes passam por processos que desconhecemos e para os quais nao temos a paciência ou a compaixao para descobrir e participar. Ninguém diria -pela fachada- que a paróquia estava com tantos problemas. Só entrando para perceber e, ao invés de ir embora, permanecer para ajudar, feito aqueles paroquianos que participavam da missa naquele domingo em que eu fui.
Sim, tem que entrar, tem que se assustar, se comover, se decepcionar, porém, logo tem que respirar fundo e se dispor a ajudar, pois somente assim a construcao nao virá abaixo.
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