segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A prece

Final de semana de espetáculo é fogo, né?... É por isso que só hoje estou postando esta crônica... Ainda bem que correu tudo bem e a nossa peça de encerramento foi um sucesso. O público curtiu, riu, entendeu a história e, no fim, aplaudiu em pé... Isso é ótimo para o ego de todos, sobretudo porque estávamos com medo de que a platéia não entendesse as piadas e nem sequer esboçasse um sorrisinho amarelo, mas, graças a Deus, não fomos só nós que achamos o texto engraçado... Ufa, que medão!. Mas mesmo atrasada, aqui vai a crônica de sábado:
Todos de mãos dadas, cabeças bem abaixadas, olhos fechados, vozes de adultos e crianças misturadas nas palavras da fervorosa prece recitada no início desta manhã ensolarada e ainda fresca. O calor virá mais tarde, opressivo e desgastante, a tirar-nos as forças e a inspiração...
-Pai nosso, que estais no céu...
Professores e alunos elevam as suas vozes, umas confiantes e animadas, outras apagadas e discretas, buscando neste instante de comunicação com o divino o ânimo e a alegria para o trabalho que os aguarda e que, aqui, é exaustivo, cheio de empecilhos e, às vezes, tão frustrante e infrutífero.
Eu ergo a cabeça e abro dissimuladamente os olhos para observar discretamente as pessoas no círculo ao meu redor... E esbarro com o Domício bem na minha frente, olhos fortemente fechados, cabeça abaixada mostrando seu cocuruto de cabelos pretos e ouriçados, meio ladeada, corpo não muito equilibrado por conta da paralisia, roupa surrada, botinas gastas e cheias de pó de serra -trabalha na marcenaria da escola- e dedos crispados e algo deformados segurando com força os dois colegas de cada lado. Reza junto com os outros, cheio de fervor e concentração, a sua voz um pouco mais alta, as palavras meio enroladas... Porém, a sua devoção é tal, seu tom tem uma convicção, uma fé tão verdadeira, que me comove sinceramente... E me envergonha. Porque olho de repente para mim mesma, rezando de qualquer jeito, a mente perdida em mil pensamentos fúteis, perguntando-me o que terá no almoço, ou onde a professora ao meu lado comprou esses sapatos, se aquele aluno problemático faltará hoje -dando-me um pouco de sossego- e se irão pagar as poucas horas extra que aceitei fazer este mês... Estou apenas cumprindo um ritual, distraída, ralaxada; as minhas palavras nada significam, nenhuma energia passa pelas minhas mãos ou sai do meu coração para abraçar estas pessoas tão carentes, esforçadas e cheias de problemas (porque eles sim têm problemas!)... Ao perceber a tremenda heresia que estou cometendo, um rubor quente e úmido me sobe às faces e meus olhos pousam de novo na cabeça hirsuta de Domício, como se quisesse me agarrar à sua fé para poder olhar no rosto de Deus. Porque sinto que ele realmente espera a proteção, a ajuda, o consolo, a salvação, o milagre que a prece pede. A sua é uma oração otimista, poderosa, à qual se entrega com a mais absoluta inocência e fé, como só alguém feito ele faria. Seus lábios tortos esboçam o secreto sorriso de quem está diante do melhor amigo, iluminando seu rosto moreno e assimétrico. Ele crê. Ele espera. Ele aceita. Neste instante a sua cruel limitação nada significa, não possui peso algum. Por um segundo consigo enxergar uma espécie de perfeição inexplicável em sua figura, em sua atitude de sereno e alegre recolhimento interior... Nada interfere em sua comunicação com Deus... E eu ali, parada na sua frente, corpo mole e coração pesado, cheia de preocupações e receios, de frustrações, preguiça e má vontade, sinto-me de repente indigna de fazer parte da mesma roda...
Respiro fundo e abaixo a cabeça novamente, tentando encontrar o caminho, a luz, a certeza que me guie até onde Domício se encontra, diante do seu Pai, e num arranco de rara humildade, tenho o impulso de ir até ele e pedir-lhe que me ensine a rezar de novo, a confiar e me abandonar nos braços de Deus como ele faz... Mas acho que isto é tão natural para ele que não saberia dar-me a "receita", pois não se trata do jeito como reza e sim do jeito como vive e, nesse segundo, juro que sinto inveja deste deficiente que mal consegue pronunciar meu nome ou levar uma colher à boca.

3 comentários:

D Z disse...

Oi Paz,

Um texto para se refletir...

Sabe, já me peguei várias vezes fazendo uma oração de forma mecânica, sem significado algum... Depois pedia perdão a Deus pela minha pouca a fé, espero que Ele me perdoe por isto... E que um dia eu também aprenda a rezar...

Um ótimo domingo para vc...

Bjs!

Dany Z.

Paz Aldunate - Palavras disse...

Cara Dany:
Saudade de vc!... Pensei que tinha lhe acontecido alguma coisa ou que estava ilhada em Santa Catarina... Ainda bem que não é nada disso...
Sabe? Deus perdoa tudo, tudo mesmo, e ainda usa as nossas falhas para ensinar-nos a ser melhores, por isso não fico muito preocupada toda vez que faço uma cagada daquelas, porque sei que Ele vai entender, já que, em geral, não faço de propósito e se vejo que feri alguém, peço perdão humildemente... Rezar é confiar, se entregar, acreditar. Tem que ter bom humor e ser feito criança que fala com toda confiança com o pai. Assim, a nossa prece chega direitinho lá em cima... Depois, é só esperar pra ver...
Beijão!
PAZ

D Z disse...

Oi Paz,

Não me aconteceu nada não, também não estava ilhada em SC rsrs Sabe, aqui, por estes lados do Paraná, nem uma gota de água para contar história rsrs
Foi apenas a correria típica de final de ano que me impediu de vir antes...

Sim, Deus sempre nos perdoa e imagino que Ele também espera que aprendamos com nossos erros...

Se me permite, gostaria de convidá-la para visitar meu blog:

www.danyziroldo.blogspot.com

Bjs!

Dany Z.