Final de semana de espetáculo é fogo, né?... É por isso que só hoje estou postando esta crônica... Ainda bem que correu tudo bem e a nossa peça de encerramento foi um sucesso. O público curtiu, riu, entendeu a história e, no fim, aplaudiu em pé... Isso é ótimo para o ego de todos, sobretudo porque estávamos com medo de que a platéia não entendesse as piadas e nem sequer esboçasse um sorrisinho amarelo, mas, graças a Deus, não fomos só nós que achamos o texto engraçado... Ufa, que medão!. Mas mesmo atrasada, aqui vai a crônica de sábado:
Todos de mãos dadas, cabeças bem abaixadas, olhos fechados, vozes de adultos e crianças misturadas nas palavras da fervorosa prece recitada no início desta manhã ensolarada e ainda fresca. O calor virá mais tarde, opressivo e desgastante, a tirar-nos as forças e a inspiração...
-Pai nosso, que estais no céu...
Professores e alunos elevam as suas vozes, umas confiantes e animadas, outras apagadas e discretas, buscando neste instante de comunicação com o divino o ânimo e a alegria para o trabalho que os aguarda e que, aqui, é exaustivo, cheio de empecilhos e, às vezes, tão frustrante e infrutífero.
Eu ergo a cabeça e abro dissimuladamente os olhos para observar discretamente as pessoas no círculo ao meu redor... E esbarro com o Domício bem na minha frente, olhos fortemente fechados, cabeça abaixada mostrando seu cocuruto de cabelos pretos e ouriçados, meio ladeada, corpo não muito equilibrado por conta da paralisia, roupa surrada, botinas gastas e cheias de pó de serra -trabalha na marcenaria da escola- e dedos crispados e algo deformados segurando com força os dois colegas de cada lado. Reza junto com os outros, cheio de fervor e concentração, a sua voz um pouco mais alta, as palavras meio enroladas... Porém, a sua devoção é tal, seu tom tem uma convicção, uma fé tão verdadeira, que me comove sinceramente... E me envergonha. Porque olho de repente para mim mesma, rezando de qualquer jeito, a mente perdida em mil pensamentos fúteis, perguntando-me o que terá no almoço, ou onde a professora ao meu lado comprou esses sapatos, se aquele aluno problemático faltará hoje -dando-me um pouco de sossego- e se irão pagar as poucas horas extra que aceitei fazer este mês... Estou apenas cumprindo um ritual, distraída, ralaxada; as minhas palavras nada significam, nenhuma energia passa pelas minhas mãos ou sai do meu coração para abraçar estas pessoas tão carentes, esforçadas e cheias de problemas (porque eles sim têm problemas!)... Ao perceber a tremenda heresia que estou cometendo, um rubor quente e úmido me sobe às faces e meus olhos pousam de novo na cabeça hirsuta de Domício, como se quisesse me agarrar à sua fé para poder olhar no rosto de Deus. Porque sinto que ele realmente espera a proteção, a ajuda, o consolo, a salvação, o milagre que a prece pede. A sua é uma oração otimista, poderosa, à qual se entrega com a mais absoluta inocência e fé, como só alguém feito ele faria. Seus lábios tortos esboçam o secreto sorriso de quem está diante do melhor amigo, iluminando seu rosto moreno e assimétrico. Ele crê. Ele espera. Ele aceita. Neste instante a sua cruel limitação nada significa, não possui peso algum. Por um segundo consigo enxergar uma espécie de perfeição inexplicável em sua figura, em sua atitude de sereno e alegre recolhimento interior... Nada interfere em sua comunicação com Deus... E eu ali, parada na sua frente, corpo mole e coração pesado, cheia de preocupações e receios, de frustrações, preguiça e má vontade, sinto-me de repente indigna de fazer parte da mesma roda...
Respiro fundo e abaixo a cabeça novamente, tentando encontrar o caminho, a luz, a certeza que me guie até onde Domício se encontra, diante do seu Pai, e num arranco de rara humildade, tenho o impulso de ir até ele e pedir-lhe que me ensine a rezar de novo, a confiar e me abandonar nos braços de Deus como ele faz... Mas acho que isto é tão natural para ele que não saberia dar-me a "receita", pois não se trata do jeito como reza e sim do jeito como vive e, nesse segundo, juro que sinto inveja deste deficiente que mal consegue pronunciar meu nome ou levar uma colher à boca.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2008
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3 comentários:
Oi Paz,
Um texto para se refletir...
Sabe, já me peguei várias vezes fazendo uma oração de forma mecânica, sem significado algum... Depois pedia perdão a Deus pela minha pouca a fé, espero que Ele me perdoe por isto... E que um dia eu também aprenda a rezar...
Um ótimo domingo para vc...
Bjs!
Dany Z.
Cara Dany:
Saudade de vc!... Pensei que tinha lhe acontecido alguma coisa ou que estava ilhada em Santa Catarina... Ainda bem que não é nada disso...
Sabe? Deus perdoa tudo, tudo mesmo, e ainda usa as nossas falhas para ensinar-nos a ser melhores, por isso não fico muito preocupada toda vez que faço uma cagada daquelas, porque sei que Ele vai entender, já que, em geral, não faço de propósito e se vejo que feri alguém, peço perdão humildemente... Rezar é confiar, se entregar, acreditar. Tem que ter bom humor e ser feito criança que fala com toda confiança com o pai. Assim, a nossa prece chega direitinho lá em cima... Depois, é só esperar pra ver...
Beijão!
PAZ
Oi Paz,
Não me aconteceu nada não, também não estava ilhada em SC rsrs Sabe, aqui, por estes lados do Paraná, nem uma gota de água para contar história rsrs
Foi apenas a correria típica de final de ano que me impediu de vir antes...
Sim, Deus sempre nos perdoa e imagino que Ele também espera que aprendamos com nossos erros...
Se me permite, gostaria de convidá-la para visitar meu blog:
www.danyziroldo.blogspot.com
Bjs!
Dany Z.
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