sábado, 18 de outubro de 2008

Cachorros

Conversando com a minha filha outro dia, contava-lhe os meus encontros e peripécias com os cachorros da vizinhança, ou que fazem parte da minha caminhada matinal, e de repente ela me perguntou se eu tinha alguma coisa escrita em meu diário -que é de onde saem estas crônicas- sobre eles. Respondi que sim, já que meu encontro diário com eles passou a ser uma das partes mais legais desta caminhada, e ela me sugiriu então colocar estes relatos no blog, pois com certeza não devo ser a única a conversar com animais, salvar filhotinhos abandonados, comprar carne ou biscoitos para cachorros de rua e me tornar amiga íntima de quem tem algum animal em casa. Às vezes, na minha empolgação e alegria ao encontrar estes meus amigos peludos, até me esqueço de comprimentar os donos e vou direto acariciar e conversar com os animais, deixando os coitados com cara de tacho e um sorrisinho amarelo... Mas até agora ninguém reclamou, pois sabem que sou tão louca por animais quanto eles, então qualquer falta de educação em prol de um carinho pra o bichinho, fica desculpada.... Assim, a minha filha insistiu para que postasse algo sobre meus "amigos" e, no fim da conversa, eu já estava revirando os cadernos para encontrar os textos que falavam sobre eles. Não são muitos, mas acho que vale a pena publicá-los pois, com certeza, muitos de vocês se sentirão identificados.
Então, aqui vai o primeiro:
Estou apaixonada pelo "Buck", o "João Pires" e o "Robert Taylor", os três cachorros mais feios da cidade!... O "Buck" é um filhote ainda, bulldog, branco e totalmente maluco, uma das criaturas mais simpáticas e cheirosas que já encontrei (vai uma vez por semana no petschop tomar banho e se perfumar). O "Jõao Pires" -não conseguia parar de rir quando a dona me disse seu nome, fruto da criatividade dos filhos- é uma mistura de pitbull com vira-latas, de olhos verdes e um corpo forte e atarracado que me lembra um toco de árvore. Pode parecer feroz à primeira vista, mas é brincalhão e adora uma coçada no peito. E o "Robert Taylor" (desse não sei o nome ainda, mas num desplante de engenhosidade e ironía, decidi batizá-lo como "Robert Taylor", um galã de cinema dos anos 30) é um bulldog puro, branco (mas que não toma banho há séculos) de focinho totalmente torto e olhos esbugalhados.. Às vezes quando passo diante da sua casa o encontro deitado na entrada, apoiado na grade com ar lânguido e reflexivo, olhando serenamente a paisagem e os transeuntes, a língua pendurada entre os dentes e a bocarra aberta, pois parece que algum defeito de nascença ou um acidente lhe impedem de fechá-la completamente... Assim que me vê ou escuta a minha voz, é repentinamente tomado por uma espécie de corrente elétrica e começa uma desajeitada dança de boas-vindas, agitando alegremente seu toco de rabo e resfolegando feito um touro. Apóia suas curtas patas tortas na grade e parece brindar-me com seu mais encantador sorriso, todo língua, dentes e baba, e fica ali, olhos fixos em mim, aguardando seu biscoito (É, continuo com o costume de dar biscoito a cachorros alheios)... E quem diz que eu resisto a todo esse charme?... É verdade que demorei um pouco para reunir coragem suficiente para passar a minha mão pelos barrotes da grade e acariciar a sua cabeça, pois a visão daqueles caninos enormes e aguçados não era nada convidativa, mas acabei descobrindo que o "Robert" é feito criança e se derrete por uma coçada na cabeça. Quando lhe ofereço o biscoito, ele o apanha com uma mordida meio desengonçada (acho que morde a própria língua toda vez que o faz) e me olha com a mais profunda gratidão, acena com seu rabo e deita ruidosamemnte no chão, dedicando toda sua atenção ao petisco, porém, não sem antes dar-me uma última olhadela e um sorrisinho desnivelado...
O "João Pires" -a quem eu chamava de "Demolidor"- me conquistou logo no primeiro dia em que o vi. Não é exatamente um filhote, mas adora brincar e destruir panos, sapatos, bolas, galhos e jornais. E foi assim que me apareceu a primeira vez: assassinando uma garrafa pet de dois litros. Estava escondido atrás da cerca viva de pingo d'ouro do jardim da frente, de modo que eu teria passado sem notá-lo, não fosse escutar aquele barulho que já conheço tão bem -a minha cadela adora morder garrafas pet- Não resisti e atravessei a rua para descobrir quem era que estava deliciando-se com a garrafa. Cheguei devagar junto à grade e espiei dentro, empinando-me um pouco.. E ali estava ele: um toco marrom e branco com quatro patas curtas e tortas e um par de olhos inesperadamente verdes e faiscantes, atacando e arrastando a garrafa, já toda deformada e esburacada pelos seus enormes caninos. A sua concentração era tanta que não me notou junto à grade observando-o, mas quando soltei uma risada virou-se velozmemnte e me encarou, ofegante e babando, e ficou totalmente imóvel.
-O que você está fazendo aí, "Demolidor"- perguntei, dando-lhe desde já aquele nome ao ver a quantidade de estrago que já tinha feito com um tênis, o jornal, uma toalha e uma caixa de papelão -A garrafa está gostosa?...- acrescentei, e não pude evitar rir de novo diante da sua expressão de desconcerto, o que deve ter-lhe parecido bastante idiota da minha parte, já que nunca havíamos sido apresentados.
Naquele dia não ousei ainda enfiar a mão pelas barras da grade ou chamá-lo para mais perto; me conformei com seu olhar meio desconfiado e com o fato dele não ter avançado latindo e rosnando na hora em que me viu parada diante da sua casa. Isso indicava que, apesar do aspecto, não era um cão agressivo, o que me proporcionava uma boa chance de tornar-me a sua amiga... Hoje é ele quem se aproxima até a grade e encosta nela a parte que quer que eu coce, recebendo em seguida seu biscoito com os olhinhos verdes brilhantes e as orelhas em pé. Antes de ir para seu pano -já em farrapos- estraçalhar o biscoito, sempre se vira e me olha uma última vez, mexendo o rabo (também um toquinho) e ensaiando uma pequena dança de agradecimento.
Vi o "Buck" (ou "Bubú", como eu o chamo) pela primeira vez no jardim da frente da sua casa, correndo e saltitando feito um louco entre a grama e os canteiros e enredando-se nas pernas da sua dona que, em vão, tentava segurá-lo para poder abrir o portão e assim permitir que o esposo pudesse tirar o carro para ir trabalhar. De longe escutei seus latidos e imadiatamente reduzi o ritmo da minha caminhada, pois adivinhei tratar-se de um filhote e eu não resisto a nenhum. Comecei a prestar atenção em ambos lados da calçada para descobrir onde estava o animal, e eis que de repente vejo, na casa vizinha a uma outra velha e cheia de galinhas e densas trepadeiras no quintal, uma pequena bola de pêlo branca rodopiando, pulando e latindo atrás das grades, aparecendo e desaparecendo entre as folhagens dos canteiros e os vasos da área numa velocidade estonteante, e uma desesperada mulher segurando uma coleira vermelha e chamando o filhote com voz ora severa, ora contendo o riso. É claro, parei e fiquei a observar a cena, tentando adivinhar de que lugar a bola de pêlos iria pular para assaltar as pernas da sua dona e tentar pegar a coleira, que parecia um artigo altamente apetitoso para seus pequenos dentes de agulha... Inesperadamente, o cãozinho surgiu das sombras do canteiro mais próximo à grade, latindo e arrastando um redemoinho de folhas e poeira junto com ele, desta vez disposto a pular e ficar com a coleira vermelha como troféu, quando de repente, me viu parada ali, rindo e, tão rápido quanto havia iniciado seu ataque, deteve-se, encarando-me com seus enormes olhos pretos e úmidos... Parado ali, em meio às lajotas escuras, parecia um brinquedo de pelúcia, ofegante e elétrico, aguardando a que lhe dessem um pouco mais de corda. Era a coisinha mais féia e deliciosa que eu já tinha visto!... A dona aproveitou a sua distração e correu até eles, passando-lhe prestamente a coleira pelo pescoço e o peito, e o ergueu em seu colo, sorrindo e murmurando frases de reconvenção que não intimidariam ninguém. Ao parecer, estava tão caída de amores quanto eu... Finalmente, ela conseguiu abrir o portão e o carro do esposo saiu para a rua, de onde se despediu efusivamente, jogando beijinhos e recomendações para o cão nos braços da esposa... Sem conseguir me segurar por mais tempo, me aproximei até a mulher e me derreti em elogios para o filhote, que de imediato começou a fazer uma conscienciosa lavagem em meu rosto e mãos, ao tempo que lutava feito uma mola para livrar-se dos braços da dona e retornar ao chão. Aí soube que seu nome era "Buck", mas vendo-o tão pequeno e cheio de energia, pareceu-me um nome sério demais, então passei a chamá-lo de "Bubú" e, claro, incluí-lo na minha lista de "biscoitáveis", só que para isso ser efetivo, a dona me explicou que eu teria de esperar a que ele completasse a dentição (ao ver os destroços de chinelos, bolas e tapetes me perguntei, não sem receio, como seria o estrago quando tivesse todos os dentes)... Pena que como é tão pequeno e alucinado, a dona não o deixa ficar muito no quintal da frente, pois estão fazendo algumas reformas na casa e há muito entulho e objetos perigosos misturados com os vasos e folhagens do jardim, mas também o mantém lá atrás com medo que alguém o leve embora, então os nossos encontros são pouco frequentes. Mas cada vez que torno a vê-lo levo um susto, pois parece estar crescendo à velocidade da luz!... Porém, a despeito disso, sempre que o vejo ele está correndo, rolando e pulando no meio dos canteiros, tropeçando nas pedras e vasos de avenca, latindo ou brigando com o jornal ou o tapete da porta. É só aparecer no portão e chamá-lo que ele larga na hora o que quer que esteja destruindo e vem em desabalada corrida até a grade -usualmente chocando-se estrondosamente contra ela- e fica pulando, babando e latindo alegremente, reclamando seus dez segundos de carinho (porque não consegue ficar mais tempo sossegado) e seu biscoito (a sua dentição já está completa agora) que assim que recebe, vai morder e chupar na protetora sombra dos arbustos do canteiro... Da rua, eu só enxergo seus enormes olhos brilhantes que, entre uma mordida e outra, me fitam a modo de agradecimento.
A parada na casa do "Bubú", do "João Pires " e do "Robert Taylor" sempre torna a minha caminhada -meu dia, para ser mais precisa- mais leve e alegre, pois toda vez sou recebida com a mesma efusão e espontaneidade, entusiastas meneios de rabo e olhos cintilantes, mais aquele impagável olhar de reconhecimento e afeto que tem a virtude de transformar o mundo à minha volta, deixando-o mais cálido e cheio de otimismo, fazendo com que me sinta especialmente querida e aguardada... É o biscito que opera este pequeno milagre diário? Talvez no início sim. Tem gente que afirma que as demonstrações de felicidade e alegria são puro interesse, mas eu já experimentei me aproximar sem ele, só para fazer um carinho ou conversar, e até agora não recebi nenhuma desfeita nem escutei nenhum rosnido de reclamação; nenhum deles virou as costas para mim ou deixou cair o rabo e as orelhas em sinal de mágoa...
Os animais, ao contrário do ser humano, amam você por você mesmo e não porque você tem um biscoito no bolso.
Bom, a coisa ficou meio comprida, mas tenho que ser justa, e se falo de um, tenho que falar dos outros também, porque todos -e mais alguns que andei conhecendo ultimamente- moram em meu coração e merecem idêntica atenção... Agora, pode parecer maluquice, mas eu recomendo um ou dois encontros com cachorros durante a semana para melhorar o humor e reduzir o estresse, para sair do nosso pequeno e denso mundinho de competição e receio e entrar um pouco no deles, que só querem um afago e umas palavras para encher-nos do mais puro e verdadeiro afeto.

6 comentários:

Unknown disse...

Hola hermanita: con tanto cuento de bulldogs y perros babeando de alegría me acordé del boxer de Santa Julia que su dueño mató a patadas, te acuerdas? ay dios, qué nostalgia que tengo y que ganas de verte. Un beso

Sofy

Paz Aldunate - Palavras disse...

Querida Gordi:
Que divertido, iba a enviarte um mail para pedirte que leyeras esta postage!... Putz, no sabía que el tipo había matado al "Dandy" (así se llamaba, te acuerdas?) a patadas! Un perro encantador como aquel... Pero que hijo de puta!... Espero que arda en el infierno para siempre!.
Otro beso!

D Z disse...

Olá Paz, não sou tão íntimas dos cães assim, mas confesso que acho os filhotes muito fofos, será que eles poderiam ser pequininos para sempre? rsrs

Concordo contigo ao dizer que os animais se entregam sem interesse, enquanto o ser humano, geralmente, age impulsionado por aquele "algo em troca", é uma pena... Espero que nem tudo esteja perdido e ainda exista pessoas sinceras...

Tenha uma ótima semana!

Bjs!

Dany Z.

Paz Aldunate - Palavras disse...

Cara Dany:
Realmente, nós temos muito que aprender com os nossos amigos "irracionais", sobretudo no quesito desinteresse, fidelidade e solidariedade. Sinceramente, às vezes acho que eles têm mais juizo do que nós!...
Obrigado por continuar fiel ao meu blog; sinto-me muito feliz com seus comentários e espero que passe o endereço para outros também!.
Beijos e uma ótima semana para vc também!.
PAZ

sol disse...

sinto-me privilegiada,pois fui adotada por uma cachorra de rua.ela apareceu de repente.no inicio ficava rondando a casa de ração em frente,onde o dono dava-lhe uma porção todos os dias.passei então a dar-lhe as sobras do meu marmitex.ela dormia na calçada de meu estabelecimento comercial e,toda manhã nos recebia comuma alegria imensa.~tentamos achar um dono para ela numa chacara,mas ela voltou uma semana depois.eu não podia leva-la para minha casa pois ja tinha uma fila.como ela engordou muito,demos -lhe o nome de gorda.cerca de um ano depois minha fila morreu,no dia seguinte a gorda,que sempre nos acompanhava até o portão de casa,pode finalmente entrar e morar conosco.isso ja tem uns tres anos e até hoje ela nos acompanha no trabalho o dia todo,cuida dos nossos tres comercios e volta pra casa a noite conosco.ou seja ela nos adotou!!

Paz Aldunate - Palavras disse...

Cara Sol:
Adorei a história da "Gorda"! Realmente, cachorro tem uma fidelidade desinteressada que é caraterística deles e que não pode deixar de comover-nos, pois tudo suporta, tudo espera, tudo perdoa... Na verdade, segundo Jacqueline Susann, escritora americana e dona de uma puddle, não somos nós quem escolhemos nossos cachorros, mas eles quem nos adotam, como você bem diz... E acho que uma adoção assim, todo mundo quer!.
Beijos e obrigado pela sua história... Um beijo na "Gorda" também!.
PAZ