segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mestre e discípulo

Conhecem aquele ditado que diz: "Não cante vitória antes do tempo?"... Bom, eu caí nessa ao achar que após a última apresentação da escola de teatro da Fundação poderia descansar nos finais de semana como todo mundo e ir trabalhar só para cumprir horário até o dia em que chegassem as nossas férias coletivas... Quem me dera! A minha felicidade durou pouco, feito coisa de pobre. Eu já estava me preparando para curtir tardes de silêncio e frescor em minha sala arrumando papéis, organizando figurinos, revisando material de aula e esboçando alguns projetos para o ano que vem, sem desconfiar que meu chefe estava em sua sala traçando planos bem diferentes para mim e meu grupo... E eis que passei o fim de semana -nas horas em que não estava ensaiando e no domingo em que supostamente deveria ter descansado- escrevendo uma nova peça. Desta vez sobre o natal, que meus alunos vão apresentar num cenário ao ar livre (por isso as vozes serão gravadas nesta quarta-feira) do dia 5 ao dia 20 de dezembro à noite. Não digo que não gostei, porque adoro criar, ensaiar, dirigir e apresentar, e prefiro isso a ficar quatro horas à toa numa sala vazia, porque devo admitir que uma hora o trabalho de arrumação e planejamento ia acabar e eu ia ficar ociosa, coisa que detesto. Então, mesmo tendo de esquecer o descanso por mais um tempo, estou feliz com este novo desafio, mesmo se um pouco preocupada com meus alunos, porque na verdade serão eles a sofrer a maior pressão e o estresse em cada apresentação. Sei que eles ficaram felizes com a proposta e estão muito a fim de apresentar, mas não sei... Já estão tão cansados e sobrecarregados com provas e trabalhos... Bom, suponho que essa é uma das vantagens da juventude: sobra fôlego para fazer tudo e mais um pouco! Já eu, estaria numa cama de hospital se tivesse tantas apresentações ao mesmo tempo e sem  intervalos para me recompor!
    E aproveitando esta manhã livre e ainda fresca, vou postar duas crônicas, só para compensar a bagunça que está este blog. E aproveito para comunicar que postei mais um pedaço de "Silvestre", então, podem saber outro pouco sobre este frade tão contraditório que terá o encontro da sua vida em breve. Um evento que transformará por completo a sua existência. Adoraria escrever toda a última parte de uma vez, mas se digito por muito tempo  os meus braços, mãos e dedos começam a doer demais e preciso parar... Mas vamos ver, quarta vou no médico com a minha montanha de exames e espero que ele me dê algum tratamento que melhore esta situação, porque já está ficando bem chata.
    Então, aqui vai a primeira crônica.


    Sinto que amar um discípulo, um aluno, é totalmente diferente de amar um amigo, um irmão, um cônjuge, um filho, pois ele não é como nenhum deles e, mesmo assim, talvez seja como a somatória de todos eles. O elo divino e profético que normalmente aproxima e une mestre e discípulo não é do mesmo tipo que envolve pais, filhos, irmãos ou esposos. Este pode tornar-se, às vezes, confuso e muito possesivo, pois implica um tipo diferente de convivência, de partilha, um tipo de experiência íntima que não se tem com um discípulo, com o qual se vivencia um quê distante e impessoal que é o grande segredo da relação e a base para uma dualidade harmoniosa ensino-aprendizado. Há um trabalho específico a ser realizado, uma procura conjunta para atingir a luz, a maturidade, o conhecimento como ser individual e cósmico que formará parte do crescimento e da história de toda a humanidade. Há uma semente a ser plantada e cultivada (como em todo relacionamento) uma personalidade e um corpo a serem lapidados de uma forma absolutamente distinta da realizada quando existem laços de sangue ou afetivos. Na relação mestre-discípulo há um saber específico a ser desenvolvido, um objetivo claro, uma sensibilidade, uma abertura e compaixão que raramente são vivenciados num outro tipo de envolvimento. Existe uma mensagem a ser passada e a prática de disciplinas e experiências que somente se dão aqui. Discípulo e mestre compartilham em sua ligação interesses bem maiores do que os meramente humanos e para isto, tem de ser desenvolvida uma espécie de "frieza" e "praticidade" que favorecem a sobrenaturalidade das suas ações e objetivos. Existe entre eles um compromisso que não inclui somente eles dois, um amor impessoal que permeia seu comportamento mútuo e com os outros, um bem-querer, uma humildade e respeito que quase nunca são ensinados ou cultivados na sociedade em que vivemos, nos relacionamentos familiares, profissionais ou sentimentais. Já mestre e discípulo, enquanto mais se doam para os outros -ao invés de um para o outro- mais unidos estão e mais fortes são.
    Além da carne e da banalidade -porém sem perder as suas características de humanidade plena- das vidas comuns que levam, das lutas prosaicas e das decepções, das perdas, quedas, mortes e ressurreições, a ligação do mestre com seu discípulo navega no mar do espírito, que é feito de silêncio, aceitação, paciência e compaixão.

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