terça-feira, 16 de novembro de 2010

Momentos de glória

 Bom, no fim de semana que passou encenamos nosso ante-penúltimo espetáculo e, graças à Deus, foi um sucesso. Nem nós mesmos esperávamos aquela quantidade de público! Até o meu chefe veio assistir!... Acho que a divulgação que os próprios alunos fizeram funcionou muito bem; a net é boa para isso também... Tinha pessoas no saguão -quando dei uma espiadinha pela janela da cabine- que eu nunca tinha visto no teatro, todos jovens e vestidos de gala, bem educados e dispostos a se divertir. Não houve nenhum incidente chato durante a apresentação -como costuma acontecer quando o público é composto por jovens- e acho que curtiram mesmo a peça. No fim, até aplaudiram em pé!... Pôxa, como é bom ver que a platéia reage tão positivamene a um trabalho nosso!... Ainda nos restam duas apresentações antes de encerrar nosso ano letivo, uma do musical e a dos alunos da minha colega que foi demitida; e confesso que esta última ainda me preocupa, pois apesar da inclusão de alguns alunos do meu grupo adulto no elenco, a coisa ainda não está como eu gostaria, mas suponho que vou ter de me resignar, já que tem coisas que não vou poder mudar, pois está muito em cima da hora: manias, vícios e dinâmicas da outra professora que não têm nada a ver com meu estilo de trabalho e que estão afetando o resultado final... Em fim, preciso lembrar que se trata de um trabalho de conclusão de curso e que ninguém vai morrer se não sair perfeito. Estamos fazendo todo o possível para salvar a peça e para que estes alunos tenham a sua apresentação de encerramento com qualidade e prazer, e é isso que conta: fazer o nosso melhor para que todos brilhem.
    Hoje tenho marcada uma deliciosa massagem às 19:00 h, para ver se melhoram um pouco estas dores no corpo que estão me tirando o sono, literalmente. Fiz uma bateria de exames para ver de que se trata e encontrar uma solução que melhore a minha qualidade de vida, porque a coisa está feia, acreditem. Só espero que não se trate de nenhum tipo de doença degenerativa e sim de artrose ou reumatismo tratáveis com remédios e exercícios. Não pretendo entrevar ainda! Tenho muita coisa para fazer! Já basta ter descoberto que sou talassémica, caramba!... E o que é talassemia? É uma falha genética nos glóbulos vermelhos -ou nas hemácias, não peguei muito bem essa parte- que faz com que você tenha quadros recorrentes de anemia. Ainda bem que em mim tomou a forma mais branda, que quase não tem sintomas e é facilmente tratável... Como vêem, a minha família andou conspirando genéticamente contra mim: diabetes, artrose ou reumatismo, talassemia... Mmmm, devo estar pagando algum pecado muito velho e muito grande, vocês não acham? Mas purificação sempre é boa, nos deixa melhores, nos faz avançar mais depressa em direção ao sonho de perfeição.
 Então, antes de que as minhas mãos comecem a doer ainda mais, vou aproveitar para postar a crônica da semana.

    No quintal arruinado e seco da casa abandonada, tomado pelo mato selvagem e o lixo, pelo esquecimento e os vândalos que picharam palavrões e desenhos obscenos nas paredes descascadas e meio  derrubadas, o ipê amarelo floresce. Porque este é seu momento. As janelas de vidros quebrados, que mais parecem os olhos de um cego, o portão enferrujado e sem gonzos, a porta carcomida e esbranquiçada pelas chuvas e o sol e as paredes lascadas e emboloradas não têm poder suficiente para impedir a sua floração e então, ele nos brinda -em meio à miséria e o abandono que o cercam- com este espetáculo de absoluta beleza lá no fim do quarteirão, coroando a esquina feito um guardião do paraíso, firme e ereto, desafiador. Pois quem ousaria olhar para a decadência em sua volta diante das suas cores, da sua harmonia, da luz que dele se desprende neste fim de tarde e que parece atear fogo nos cachos de amarelo vibrante? Um amarelo de vitória, de perfeição, de descoberta e milagre... Este é seu momento de glória e nada pode impedi-lo; esperou pacientemente por ele, passando por todas as etapas, as estações e barreiras, as chuvas e dias frios, por crianças arteiras, por lixeiros, pássaros e formigueiros. Até que, finalmente, a sua hora chegou e ele  impera, magnífico, na paisagem. Depois voltará a ser uma árvore apagada no quintal da uma velha casa abandonada, mas hoje é um milagre para os nossos olhos e eu viro a cabeça para contemplá-lo mais um pouco enquanto me afasto pela rua abaixo... Então, reflito: Quantos destes momentos nós temos ao longo da nossa existência? Quantas vezes podemos nos transformar num glorioso ipê florido que embeleza o cenário e toca o coração dos homens à nossa volta? Quanta perseverança e força somos capazes de reunir e pôr em movimento para conseguir passar por todos os processos e dificuldades até atingir a nossa beleza absoluta?... Pois não importa quanto ela dure ou se depois do apogeu tornamos a ser pequenos e banais, o importante é que ela aconteça, pois a transformação que ela acarreta -em nós mesmos e nos outros- é algo que permanecerá para sempre.
    Amanhã, as flores amarelas cobrirão o chão em volta do ipê e os nossos sapatos as esmagarão, apagando seu brilho e a sua magia; a árvore ficará silenciosa e escurecida, nua, retorcida... Mas, hoje, neste preciso instante, o ipê amarelo é o rei da criação.

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