segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Universo rural

É quase um milagre que esteja, finalmente, conseguindo postar esta crônica, porque parece que por causa dos dois temporais que desabaram por acá a internet ficou uma porcaria (ou então, meu servidor está ficando relaxado) e está leeeeenta ou então, simplesmente, não conecta... Faz dois dias que estou tentando publicar as minhas crônicas e dar uma olhada no meu corréio, e nada!... Então, aproveitando que hoje o sol está brilhando com total insolência e glória -pelo menos por enquanto, porque anunciaram mais chuva- vou postar os textos, porque se esperar e começar a chover, a coisa vai ficar féia. Então, sem mais delongas -apesar de que, no momento, não há nuvens ameaçadoras- aqui vai a crônica desta semana.

Só quando leio os contos ou romances de Oscar Castro -um dos meus escritores chilenos preferidos, junto com Daniel de la Vega- é que consigo perceber o tamanho da saudade que tenho do campo chileno, das suas cores, dos seus perfumes e vozes, das suas lembranças... Cholqui, Melipilla, Maipú, Pomaire, El Carmen Alto... Estradas flanqueadas por álamos, casinhas de adobe e cercas de madeira enfeitadas com malvas e roseiras, cheiro de alfavaca e mato no ar, os raios do sol filtrando-se por entre os galhos dos eucaliptos e as parreiras, espalhando-se generosamente pelas plantações de trigo que ondulam feito um oceano dourado sob o impulsos do vento constante e brincalhão. As fazendas mais abastadas com as suas galerias de madeira e suas poltronas de madeira e palha enfileiradas contra a parede, o delicado bordado das cortinas brancas em portas e janelas, as cozinhas com seus fogões a lenha; réstias de alho, pimentão, pimenta vermelha e verde, charque e lingüiça penduradas do teto, os cachorros deitados ao sol, o compasso lento e poderoso, quase majestoso, dos homens em suas cavalgaduras. Cheiro de empada, de cazuela, de enrolado de carne, de terra e bosque... A praça central do povo, verde e meio desorganizada, um pouco pretensiosa, barulhenta e animada, os velhos na porta dos bares ou sentados nos bancos de madeira botando conversa fora e contando causos. A igreja de primoroso campanário, escura e fresca, de coloridos santos de gesso e altares esculpidos, reina soberana sobre os jardins, os transeúntes, os carros e as crianças que correm e gritam entre os canteiros floridos. Lojas modestas, baratas, coloridas, quitandas exibindo seus produtos frescos em grandes cestas de vime, ainda sujos de terra; a sorveteria, a padaria, o posto dos bombeiros que, todo dia, anuncia pontualmente o meio da jornada com a sua sirene escandalosa. Ruas estreitas, casas silenciosas, discretas, palpitar de vida, de simplicidade, de tranqüilidade, um quê de inocência que já se perdeu na cidade grande...
O pátio central da casa dos meus tios, onde todos os quartos desembocam, atravesando a galeria de lajotas e janelas retangulares de cortinas brancas de filô. O quintal do fundo, onde tem ordenados e viçosos canteiros de cebolinha, salsinha, alfavaca, coentro, alface e pimenta. Os pés de abacate e pêssego, de cheirosas laranjas e limões, a parreira em sua armação de vigas já descoloridas pelo sol. Perambulando entre a horta e a terra, entre as malvas, copos de leite e violetas, as galinhas e os cachorros dividem o espaço e o sol, as bacias de água e comida, os cantos frescos e tranqüilos perto do velho forno de barro e a cobertura onde se armazena a lenha... São animais satisfeitos, preguiçosos, alegres, encardidos e felizes... E aquela imensidão verde em volta, coroada pela massa lilás, soberana e protetora, da cordilheira e as suas neves eternas, e sobre ela um céu limpo e sem segredos. A terra salpicada aqui e ali pelas típicas moradas dos colonos, por tratores amarelos e vermelhos, rebanhos pastando e grupos de chorões que indicam a presença de algum curso de água...
Adentrando pelas estradas de terra sente-se um ar de mistério, de expectativa, de força virgem e prestes a explodir em mil formas de vida. Na mata, as vozes mudan, tornam-se mais intensas e próximas, de uma realidade desconcertante, um aroma selvagem toma conta da paisagem e parece que nosso coração se enche de liberdade e paz, de certeza, de poder, pois tudo ali parece acolher, convidar, se revelar, nos invadir, transformando-nos no que realmente somos: filhos da natureza. É sempre como regressar a um lugar conhecido, ancestral, não contaminado. Às vezes, quando viajamos de carro nas férias, passamos por cenários tão parecidos com os do campo chileno, que chego a me emocionar e quase peço para pararmos por alguns momentos, pois trazem à minha mente todas aquelas imagens, que guardo tão zelosamente em meu coração, da terra na qual estão plantadas as minhas raizes. O mesmo me acontece quando começo a ler os contos ou romances de Oscar Castro. Descreve com tanta fidelidade e paixão aquelas pequenas vilas de casas de adobe e ruelas de terra, as personagens singelas e rudes, as crenças, o folclore e todo aquele encanto quase mágico na sua simplicidade e autenticidade, que sinto como se estivesse bem no meio de cada cenário, de cada história, no coração de cada personagem, totalmente imersa naquele universo rural que tão bem cheguei a conhecer e que hoje me provoca tanta saudade...
Porque, no fim das contas, a gente não retorna à pátria por causa da família ou os amigos -pois eles vão desaparecendo com o passar do tempo- pelo clima ou pela comida. A gente volta por causa da terra, pelas paisagens, pelas raizes que mantêm intacta a nossa identidade e a nossa integridade.

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