sábado, 9 de agosto de 2008

O rio

Bom, hoje vocês vão ter que ter muuuuita paciência porque acordei especialmente inspirada e vou postar duas crônicas bastante extensas, mas que são especiais para mim... Na verdade, tem semana que publicaria uma por dia, mas assim vou acabar ficando sem material e vou encher a paciência de vocês, né? Sempre é bom um pouco de expectativa...
E aqui vai a primeira:
O rio.
De alguns anos para acá não sei por que me sinto tão fascinada pela forma em que as pessoas levam as suas vidas. Já devo ter escrito mais de uma dúzia de vezes sobre isto e, mesmo assim, o tema continua a chamar a minha atenção. É que há algo de tão peculiar e encantador na maneira em que cada um vive, se mexe, come, olha, conversa ou simplesmente fica sentado na varanda ao entardecer, que não consigo para de observar e meditar sobre isto. Cada dia encontro inúmeras pessoas indo ao trabalho, varrendo calçadas, jogando sinuca, levando os filhos à escola, estendendo roupa no varal, bebendo uma cerveja ou almoçando num restaurante, sentadas nos bancos das praças ou passando por mim em suas bicicletas de manhã cedo; arrumando vitrines, enchendo o tanque do carro, aguando as plantas, conversando e rindo em grupos ou caminhando rápido e ensimesmadas, atravessando ruas, pagando contas, apostando na loteria, olhando vitrines com cobiça ou decepção, subindo e descendo de ônibus -lotados ou vazios, segundo o horário- ou aguardando algo ou alguém numa esquina, embaixo de uma marquise, na entrada do shopping... São tantas pessoas fazendo tantas coisas diferentes! E mesmo que algumas estejam fazendo a mesma coisa, cada uma tem seu próprio e especial jeito, seu tom, a sua intensidade, a sua eficiência... O homem que descarrega os enormes cortes de boi do caminhão, levando-os sobre os ombros sem tropeçar nem derrubá-los. O pedreiro que ergue o muro assentando tijolo sobre tijolo até completar uma casa dentro da qual uma família irá morar. O feirante que chega às quatro da manhã para armar a sua barraca de metal e lona e dispor a sua mercadoria de forma atraente para os fregueses. A cozinheira do bar que logo cedo frita os pastéis e as coxinhas e prepara o café para os que vêm toda manhã tomar seu desjejum nas mesinhas de metal. A professora que, com seus livros embaixo do braço, encara mais uma dia de aula, mais uma turma que não está nenhum pouco interessada em suas lições, na sala fria e depredada de uma escola de periferia... E assim segue infinitamente. Olhando para eles sou capaz de afrmar que cada um deve ter a sua história e, sinceramente, eu adoraria escrevê-las todas, porque com certeza cada uma delas possui seu encanto especial. As casas -luxuosas e modernas, ou arruinadas e com quintais tomados pelo mato- silenciosas e perfumadas ou animadas por crianças e cachorros correndo em meio ao lixo esparramado, as varandas onde velhinhos sentam em cadeiras tão decrépitass quanto eles para comer a sua sopa num pote de sorvete usado, ou aquelas cheias de vasos e trepadeiras, que ostentam lindos conjuntos de mesa e cadeiras de metal trabalhado, tudo tema sua peculiar história, é como se tudo e todos -mesmo sem abrir a boca ou sequer possuir uma- falassem para mim e me contassem seus segredos. E eu não consigo deixar de ouvi-los nem deixar de querer escrevê-los, pois eles sempre trazem uma mensagem, significam alguma coisa, um tipo de aprendizado, de interação, de compreensão sobre como as pessoas funcionam, como as situações acontecem. Há algo sobre respeito e compaixão, sobre diversidade, sobre valorização, sobre ser um com o outro, sobre os papéis que desempenhamos no plano de Deus, sobre a importância dos uns para os outros -mesmo se raramente nos damos conta disto- sobre prioridades, opções e escolhas, sobre talentos, perdas, ganhos, fracassos e vitórias. Há um universo de vida pulsante, de esforço, de esperança, de luz e trevas em cada ação, em cada pensamento e intenção. Todos buscam, todos querem, todos vivem, cada qual do seu feitio, certo ou errado, mas vivem e lutam, perseguem, crescem, procriam, envelhecem, morrem e, mesmo assim, continuam a viver, pois são uma gota no rio da existência, que está sempre em movimento e renovação. Uma gota, uma vida inteira, tudo e nada num sopro que mal conseguimos perceber... Por isso há que prestar atenção, abrir os olhos e a alma, escutar as mensagens e meditar sobre elas. Por isso há que viver junto com tudo que existe e deixar serenamente que o rio nos leve até o nosso destino final.

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